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Guimarães Rosa
Verbete
A escrita de João Guimarães Rosa é sem dúvida uma das principais expressões da Literatura Brasileira e sua obra tem, ao longo do tempo, deslumbrado leitores e crítica. O autor praticamente recria uma nova linguagem marcada por elementos genuinamente brasileiros e igualmente universais; ao mesmo tempo que constrói um novo mundo, ligado ao seu universo íntimo, incorpora a essa linguagem um tratamento humano, participante de toda a tradição da cultura letrada, que lida com temas como a morte, a amizade, a religiosidade, a guerra, a vingança, a traição, a alegria, o amor.
A fortuna crítica do autor é das mais volumosas – e dos mais variados enfoques – dentro dos estudos literários brasileiros e caminha crescendo de mãos dadas com a maior investigação, divulgação, estudo e tradução de suas obras. Entre a crítica há uma voz comum que enxerga na linguagem de Rosa o uso de amplos recursos, desde a transformação de um material regional para uma leitura mítica da realidade, até a invenção de vocábulos, a utilização de arcaísmos, ditos populares, neologismos, as invenções sintáticas e semânticas, para a experiência da vida narrada no universo próprio do escritor.
Guimarães Rosa foi médico e diplomata e utilizou esses conhecimentos das profissões que exerceu para compor o seu léxico, mas foi sobretudo do seu grande interesse pelas línguas, pelas religiões e pelas coisas da natureza que retirou matéria para o exercício de sua escrita. Ficou famosa a viagem que fez a cavalo, com registros fotográficos, por dez dias no interior de seu estado natal, Minas Gerais. Acompanhando uma comitiva de vaqueiros, o autor percorreu cerca de 240 quilômetros, levando 300 cabeças de gado, atravessando pastos, córregos, beiras de estradas, casas de pau a pique, buritis, paisagens muito particulares do interior do país e, principalmente, do sertão de Minas Gerais. De suas anotações durante a viagem, do que via e conversava, das histórias que ouvia, nasceu grande parte de seus textos.
Em 1936, Guimarães Rosa dá o primeiro passo no processo de construção de sua carreira literária ao vencer o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras, com Magma, livro de poemas apenas publicado postumamente, em 1997. Foi com Sagarana, em 1946, que o autor ganha visibilidade no cenário da literatura brasileira e apresenta aos leitores o sertão mineiro com suas paisagens, suas gentes e toda uma elaboração dessa linguagem sertaneja. O livro conta com nove contos que renovam uma tradição regionalista já bastante explorada pelos escritores e, dentre eles, alguns figuram como exemplos de um dos níveis mais altos da literatura brasileira, como “O burrinho pedrês” e “A hora e a vez de Augusto Matraga”.
Dez anos depois, em 1956, o autor oferece ao público, de uma só vez, duas obras primas: Corpo de baile (novelas) e Grande sertão: veredas (romance). Considerado por muitos como o maior romance da literatura brasileira, Grande sertão: veredas exibe íntima ligação entre prosa e poesia, atravessada pela discussão filosófica do bem contra o mal, realçando o caráter único de sua escrita. O livro narra as memórias de Riobaldo, ex-jagunço, que relembra sua vida, infância, aventuras, os seus medos e o seu amor por Diadorim.
Corpo de baile, originalmente composto de dois volumes com sete novelas, posteriormente é dividido em três: Manuelzão e Miguilim, com as novelas “Campo Geral” e “Uma história de amor”; No Urubuquaquá, no Pinhém, com as novelas “O recado do morro”, “Cara-de-bronze” e “A história de Lélio e Lina”; Noites do Sertão, com as novelas “Dão-Lalalão” e “Buriti”. De uma forma geral, as personagens transitam entre as histórias dos três volumes, que retratam as condições efêmeras e transitórias de vaqueiros e trabalhadores, as gentes do sertão, em busca de um novo lugar geográfico e social onde encontrem sentido para suas vidas. Dentre os textos, a novela “Miguilim” é peça exemplar de um registro experimental da linguagem em conjunção com uma forte comoção ao tratar da infância da personagem homônima em “Mutum”, localidade interiorana do estado de Minas Gerais.
Em 1962, publicou Primeiras estórias, livro de contos amplamente divulgado nas instituições de ensino do país como processo de compreensão de habilidades de compreensão e interpretação de textos. Alguns desses contos ficaram marcados pela leitura associada a outros campos do conhecimento, a psicanálise por exemplo, como “A terceira margem do rio” e “Sorôco, sua mãe e sua filha”, ou de cariz místico, como é o caso de “A menina de lá”. Em Tutameia – Terceiras estórias, livro de 1967, Guimarães Rosa intensifica o caráter experimental de sua linguagem e faz uso, em sua narrativa, de recursos comuns à poesia, ritmo, cadência, aliterações, imagens altamente metafóricas, ultrapassando assim os limites, já tênues na sua linguagem, entre a prosa e a poesia.
Após o falecimento do escritor, em 1967, foram publicadas postumamente as obras Estas estórias, em 1969, Ave, palavra, em 1969, e Antes das primeiras estórias, em 2011. Tanto a qualidade literária de Rosa, quanto o seu fôlego intenso ao escrever obra longa, variada e extensa, possibilitam o grande interesse do público leitor e a constante pesquisa no universo acadêmico. João Guimarães Rosa viveu de maneira obstinada a literatura, à procura da palavra exata para o seu texto, à busca dessa linguagem que o caracterizou como “homem do sertão”, e que o coloca como um nome fundamental da cultura e literatura brasileiras. Como o próprio autor disse em correspondência com um tradutor: “a linguagem e a vida são uma coisa só”.
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Autores/as
Referências
BOLLE, Willi. grandesertão.br: o romance de formação do Brasil. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2004.
CANDIDO, Antonio. "O homem dos avessos". Em: Tese e Antítese. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2006
GALVÃO, Walnice Nogueira. O Certo no Incerto: o Pactário. 1972. In: Guimarães Rosa – Coleção Fortuna Crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
HANSEN, João Adolfo. o O: A ficção da literatura em Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Hedra, 2000.
MARTINS, Nilce Sant’Anna. O léxico de Guimarães Rosa. 2 ed. São Paulo: Edusp – Editora da Universidade de São Paulo, 2001.
Textos traduzidos
ROSA, João Guimarães. J. Guimarães. Gran Sertón: Veredas. Tradução de Florencia Garramuño e Gonzalo de Aguilar. 2. ed. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2011.
ROSA, João Guimarães. Infamous. Tradução de Steven Byrd, Manoa, v. 30, n. 2, 2018.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Roman. Tradução de Curt Meyer-Clason Munique: DTV, 1994.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão. Tradução de Edoardo Bizarri. 9. ed. Milano: Feltrinelli, 2003.
ROSA, João Guimarães. The devil to pay in the backlands. Tradução de James L. Taylor e Harrit de Onís. Nova Iorque: Knopf, 1963.
Tradução do trecho inicial de Grande Sertão: veredas para o inglês: https://www.wordswithoutborders.org/article/july-2016-brazil-beyond-rio-grande-sertaeo-veredas-joao-guimaraes-rosa
Autor/a do verbete
Kaio Carvalho Carmona. Ilustração: Rodrigo Rosa.
Palavras-chave
Cultura brasileira | Guimarães Rosa | Literatura brasileira > Prosa | Sertão