Documentos
Metadados
Miniatura
Título
Conceição Evaristo
Verbete
Ponto mais visível da linha de escritoras afro-brasileiras que se encontra no centro do debate literário do Brasil contemporâneo, Conceição Evaristo é exemplo importante do significado de resistência de uma minoria social e política dentro de um país colonial.
Nascida em 29 de novembro de 1946 numa comunidade na zona sul de Belo Horizonte, onde passa a infância com a mãe e oito irmãos, desde muito nova Maria da Conceição Evaristo de Brito se questiona sobre o real significado de possuir pele parda. Ainda criança, vai morar junto com a tia materna, para que a mãe tenha uma boca a menos a alimentar. Com “duas mães”, ambas lavadeiras, logo aprende a oferecer serviços para as patroas e a aproveitar o dinheiro para comprar livros educativos para si mesma e os irmãos. O livro que mais marca aqueles anos é sem dúvida Quarto de despejo de Carolina Maria de Jesus, publicado em 1958, que pela primeira vez faz com que ela, favelada, negra, menina e pobre, se sinta protagonista e sujeito de uma narração literária.
Porém, mas do que por livros, que são formas materiais de narração, ela cresce rodeada por palavras e contos orais: ela mesma começa a contar histórias para os membros da família a partir da leitura de notícias nos jornais, e mais tarde graças às redações escolares, em que pode encenar uma ficção inocente ao contar sobre as férias ou as festas de aniversário que na realidade não pode experimentar.
Devido à sua condição de mulher negra e pobre, que a vincula a trabalhar para contribuir à subsistência familiar, tanto as etapas da sua formação quanto a estreia no panorama literário serão tardios, mas não por isso menos incisivos. Evaristo acaba o curso normal, depois de muitas interrupções, em 1971. Dois anos mais tarde, tendo prestado concurso para professora primária, se muda para o Rio de Janeiro, onde começa também a cursar Letras na UFRJ. Sua carreira acadêmica continua com o mestrado pela PUC do Rio de Janeiro (1996) e o doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (2011).
Sua primeira publicação pertence ao ano de 1990, quando publica sua contribuição ao número 13 dos Cadernos negros, édito pelo grupo Quilombhoje, com o qual tinha entrado em contato 10 anos antes. A coletânea, lançada pela primeira vez em 1978 como florilégio de poemas, é publicada a cada ano desde então, alternando poesia e prosa, e tem contribuído enormemente à difusão pelo país da literatura afro-brasileira. Com essa definição, entende-se uma literatura menor, ou seja, outra com relação à literatura canônica, aquela instituída por determinadas instâncias legitimadoras que são de matriz branca e patriarcal. Embora a literatura brasileira já tivesse envolvido personagens ou autores afrodescendentes até a década de 1970, o que distingue a literatura afro-brasileira da literatura oficial é o conjunto declarada e orgulhosamente negro de temática, autoria, ponto de vista, linguagem e público alvo.
Depois da estreia, a carreira literária de Conceição Evaristo continua por um bom tempo apenas no âmbito da poesia: participa de coletâneas, publicadas também no exterior, ao longo da década toda, enquanto trabalha como professora e continua estudando. A passagem para a prosa representa também a sua definitiva consagração literária: em 2003 publica Ponciá Vicêncio, romance que conecta diferentes níveis temporais colocando em diálogo história, memória e espaço narrativo. A protagonista, negra e pobre, ao sair para a cidade grande, enfrenta o cotidiano sem parar de buscar constantemente sua ancestralidade. O outro romance da autora, em que ela volta a tratar a matéria da recordação, é justamente Becos da memória, publicado em 2006: recordar e elaborar a escravidão se faz meta urgente para o povo afro-brasileiro, uma vez que, para ele, o passado de deportação e cativeiro nunca tem acabado, refletindo-se num presente de segregação social.
E justamente desse presente Evaristo trata em Olhos d’água, lançado em 2014, pelo qual ganha em 2015 o 3° Prêmio Jabuti de Literatura na categoria Contos e Crônicas. Seus contos apresentam personagens que são mulheres, avós, mães, filhas e amantes, mas também homens, todos enfrentando a cruenta realidade de pobreza e violência urbana que cerca a comunidade negra.
Mas é 2017 o ano em que a crítica mais a elogia: além de ser tema da Ocupação do Itaú Cultural de São Paulo, ela ganha o Prêmio Faz a Diferença na categoria Prosa; o Prêmio Cláudia na categoria Cultura; e o prêmio de Literatura do Governo do Estado de Minas Gerais. No ano subsequente, ganha também o prêmio da revista «Bravo!» na categoria Destaque 2017. Sempre em 2018, ela se candidatou à cadeira n. 7 da Academia Brasileira de Letras, porém tomada pelo cineasta Cacá Diegues. Em 2019, é a grande homenageada da 3ª Bienal do Livro de Contagem.
Hoje Conceição Evaristo é professora aposentada do município do Rio de Janeiro, e continua escrevendo tanto poesia como prosa e ensaios. A sua dimensão de escritora faz parte de um processo que ela mesma tem batizado de “escrevivência”: uma escrita que nasce do cotidiano, da memória, da experiência de vida dela enquanto indivíduo e enquanto parte de uma minoria sociopolítica e cultural. Por meio da escrita, a autora preenche o vazio social por ela experimentado e o vazio histórico no qual a dignidade do seu povo foi esquecida, conferindo-lhe um lugar de fala que, hoje, pela primeira vez na história da literatura brasileira, é de sujeito da própria enunciação e da própria narrativa.
Temas
Autores/as
Referências
DUARTE, Eduardo de Assis, FONSECA, Maria Nazareth Soares (org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
FONSECA, Maria Nazareth Soares (org.). Brasil Afro-brasileiro. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2000.
MAGALHÃES, Rosânia Alves. A escrita feminina afrodescendente na obra de Conceição Evaristo. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2014.
MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1988.
PETTI, Maristella. La resistenza nella poesia nera femminile brasiliana contemporanea. Roma: Sensibili alle foglie, 2018.
Textos traduzidos
ALVES, Miriam, DURHAM, Carolyn R (org.). Finally US. Contemporary Black Brazilian Women Writers. Colorado: Three Continent Press, 1995.
EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicencio. Trad. Paloma Martinez-Cruz. Austin: Host Publications, 2007.
_____. L'histoire de Poncia. Trad. Paula Anacaona. Paris: Éditions Anacaona. 2015.
_____. Banzo, mémoires de la favela. Trad. Paula Anacaona. Paris: Éditions Anacaona. 2016.
Autor/a do verbete
Maristella Petti. Ilustração: Rodrigo Rosa.
Palavras-chave
Literatura brasileira > Literatura afro-brasileira | Literatura brasileira