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Emília (de Monteiro Lobato). Ilustração: Rodrigo Rosa.Baixar
Emília (de Monteiro Lobato). Ilustração: Rodrigo Rosa.
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Emília (de Monteiro Lobato)
Verbete
“A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca” [...] “Piscar é abrir e fechar os olhos. Viver é isso”. Uma reflexão simples, sobre algo tão complexo e filosófico quanto compreender o que é a vida?, definida, para a surpresa de muitos, pela boneca de pano mais famosa do Brasil, a Emília.
Uma das personagens mais marcantes do Sítio do Pica-Pau Amarelo, obra composta por 23 volumes, escrita por Monteiro Lobato (1882-1948), tido como o fundador da literatura infantil no Brasil e um dos mais importantes escritores da literatura nacional. Apesar de seu grande destaque no universo literário adulto pelas obras lançadas, pelo pioneirismo e suas preocupações sociais e nacionalistas, sua grande paixão era escrever para crianças, principalmente por acreditar que a qualidade e a estética literária do que havia disponível para o público infantil e juvenil eram insatisfatórias.
O primeiro volume da coleção foi o livro ‘A Menina do Narizinho Arrebitado’ (1921), que apresenta ao público os personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Muitos deles criados a partir de mitos e elementos folclóricos tipicamente brasileiros, incorporados pela Literatura Fantástica juntamente a outros que representavam, muitas vezes, as memórias de infância do próprio autor.
Desta forma, os personagens “gentes” como Narizinho (Lucia) e seu primo da cidade grande, Pedrinho, netos de D. Benta, dona do Sítio; Tia Anastácia, uma senhora negra, que trabalha no Sítio, faz quitutes gostosos e conta diversas estórias folclóricas a todos, assim como Tio Barnabé; convivem no Sítio juntamente com os personagens bonecos da Emília, a boneca tagarela; o Visconde de Sabugosa, boneco feito de espiga de milho, muito inteligente e eloquente; o Marquês de Rabicó, um porco guloso; o Conselheiro, um burro que aprendeu a ler; o Quindim, um rinoceronte que fugiu do circo e ensina às crianças a falar inglês; e outros personagens mágicos como o peralta Saci-Pererê, a sereia Iara e a bruxa jacaré Cuca. Conheça um pouco mais sobre esses e alguns outros personagens do Sítio aqui.
Após a primeira publicação, Monteiro Lobato segue com o lançamento de outros volumes e seus personagens famosos, como ‘Reinações de Narizinho’ (1931); ‘As caçadas de Pedrinho’ (1933); ‘O Pica-pau Amarelo’ (1939); e ‘A Reforma da Natureza e o Espanto das Gentes’ (1944), dentre tantos outros. Além dos livros, O Sítio do Pica-Pau Amarelo também foi adaptado para programas de TV, teatro, histórias em quadrinhos, versão em mangá, desenho animado, e cinema – com um novo lançamento previsto para estrear em 2022. Os personagens do Sítio, ainda famosos nos dias de hoje, comemoram seu aniversário de 100 anos em 2021, e a boneca Emília, que foi lançada em brinquedo pela primeira vez em 1977, ganha uma nova versão para celebrar seu centenário.
A Emília original foi uma boneca feita de pano, recheada de flores de macela – a camomila brasileira, feita pela Tia Nastácia para ser dada de presente à Narizinho. A boneca ganha vida após tomar uma pílula falante dada pelo Dr. Caramujo e começa a falar – sem parar! Sua personalidade forte, determinada e independente, traz uma representação feminina que Lobato defendia em um tempo que nem mesmo as crianças eram autorizadas a expressar suas opiniões.
Exatamente como a letra da música feita em sua homenagem, Emília, a boneca-gente, pensa como um ser humano, e por circular entre o mundo real e o imaginário, já que é uma boneca, vive de modo irreverente, fazendo o que – e quando – quer, com comportamentos que seriam reprováveis caso fosse uma criança, como ser teimosa, malcriada e até mesmo egoísta. E ao ser indagada sobre o que realmente é, responde prontamente: “Sou a independência ou Morte!”.
Há quem diga que ela seria uma espécie de alter ego de Monteiro Lobato, que a usaria para dar voz às suas ideias reprimidas por serem, muitas vezes, polêmicas e contrárias ao senso comum. Emília protagoniza em diversos livros da coleção, mas tem destaque em seus próprios como ‘Emília no País da Gramática’ (1934), ‘Aritmética da Emília’ (1935), ‘Memórias de Emília’ (1936), em que tem sua biografia escrita pelo Visconde de Sabugosa.
Emília, juntamente às outras personagens femininas como D. Benta, Tia Anastácia, e Narizinho, desfazem o estereótipo da mulher como um ser frágil e dependente, e dividem igualmente os espaços com os demais personagens masculinos, enfrentando as mesmas dificuldades e êxitos, com seus defeitos e qualidades, trazendo aos seus leitores um mundo que desperta nas crianças suas emoções, para que possam, independente do gênero, refletir, aprender e dialogar com seus próprios valores.
As obras de Lobato foram traduzidas para muitos idiomas e lançadas no mercado internacional em inglês, alemão, japonês e árabe, com um maior destaque em espanhol. Algumas de suas obras, no entanto, sofreram adaptações justamente por apresentarem ideias contrárias às questões culturais e sociais do país e da língua, como é o caso da Rússia, em que o comportamento dos personagens adquiriu um tom moral e educacional; as passagens críticas a filósofos e historiados foram omitidas; assim como também foram cortadas as passagens consideradas racistas sobre a personagem Tia Anastácia.
Foram diversas as críticas que ‘criador e criaturas’ receberam por abordar, de forma trivial, temas polêmicos protagonizados por Emília, que em sua trajetória crescente de independência, questiona valores morais, padrões e normas estabelecidas, como o divórcio (que ela mesmo protagonizou), além de questionamentos religiosos, a desconstrução de patriotismos e críticas à maquina do estado.
Ainda assim, era a personagem favorita de Lobato, que declarou em carta datada de 1934: “Eu adoro Emília e, ao escrever os livros nesta máquina, sou o primeiro que me rio das coisinhas que ela diz”. E assim a boneca, que segundo suas memórias, ‘não pretende morrer, só finge que morre...’, segue existindo na lembrança dos que a leram e conheceram há mais de 100 anos, e espera-se que continue a aprontar outros tantos anos.
Temas
Personagens
Referências
DARMAROS, M.F. & JOHN, M. Emília, a cidadã-modelo soviética: Como a obra infantil de Monteiro Lobato foi traduzida na URSS. In: D.E.L.T.A. v31, n1, 2019, p.1-30. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502019000100404&tlng=pt
É MUITA NOSTALGIA. ESTRELA RELANÇA A BONECA EMÍLIA, DO SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO, NO CENTENÁRIO DA PERSONAGEM DE MONTEIRO LOBATO. Lobato com vc, 2021. Disponível em: https://lobato.com.vc/2021/02/e-muita-nostalgia-estrela-relanca-a-boneca-emilia-do-sitio-do-picapau-amarelo-no-centenario-da-personagem-de-monteiro-lobato/
MOTA, L.D. & ABDALA JR., B. Personae: Grandes Personagens da Literatura Brasileira. São Paulo: SENAC, 2001, p.119-137. Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/monteirolobato/outros/Em%EDliasenac.pdf
REPRESENTATIVIDADE FEMININA NO SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO. Lobato com vc, 2018. Disponível em: https://lobato.com.vc/2018/11/representatividade-feminina-no-sitio-do-pica-pau-amarelo/
ZÖLER ZÖLER. Lobato Letrador: Anexos. 1ed, Brasília, DF: 2019.
Textos traduzidos
O SÍTIO DO PICAPAU AMARELO. In: World Heritage Encyclopedia http://worldheritage.org/articles/eng/S%C3%ADtio_do_Picapau_Amarelo
SUMMARY BIBLIOGRAPHY: MONTEIRO LOBATO. In: Internet Speculative Fiction Database http://www.isfdb.org/cgi-bin/ea.cgi?205393
LOBATO, M. LAS TRAVESURAS DE NARICITA. Reinações de Narizinho. Idioma: Espanhol. Tradução de Ramon Prieto, 1944.
LOBATO, M. NASINO. Reinações de Narizinho. Idioma: Italiano. Tradução de Ana Bovero, 1945.
LOBATO, M. LA ARITMETICA DE EMILIA. A Aritmética de Emília. Idioma: Espanhol. Tradução: M. J. de Sosa, 1956.
LOBATO, M. MEMORIAS DE EMILIA. Memórias de Emília. Idioma: Espanhol. Tradução de M. J. de Sosa, 1959.
LOBATO, M. ORDEN JIOLTOGO DIATLA. Reinações de Narizinho. Idioma: Russo. Tradução /Adaptação: S/N, 1961.
Autor/a do verbete
Gisele Tyba Mayrink Orgado. Ilustração: Rodrigo Rosa.