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Título
Cordel
Verbete
A arte verbal do cordel consiste em narrativas em versos, publicados tradicionalmente em folhetos. Com origem na tradição portuguesa, o cordel se afirmou como manifestação literária, no Brasil, desde o surgimento, no final do século XIX. O registro dos primeiros folhetos de cordel é de 1883; e, embora datem do começo do século XX os exemplares disponíveis na Casa de Rui Barbosa, devem ser consideradas as contribuições anteriores: na década de 1870, Celso de Magalhães (1849-1879), em Recife, identificou e publica diversos trechos de romances de origem portuguesa veiculados oralmente nas regiões rurais do Nordeste; em 1888, Sílvio Romero (1851-1914) publica contos e cantos populares informando uma separação entre obras de origem portuguesa, africana e indígena brasileira, em busca de uma arte dos verdadeiros brasileiros; em 1874, José de Alencar (1829-1877) publica a obra O Nosso Cancioneiro, também sobre o tema, o que sinaliza uma preocupação de há muito com a arte verbal na forma de versos do cancioneiro brasileiro.
Entre as origens do cordel brasileiro é identificada a cantoria de viola, duelo verbal rimado e musicado entre dois cantadores. Dessa arte, Agostinho Nunes da Costa (1797-1858) foi um dos pioneiros. Na sequência da atuação deste e respectiva família, Silvino Pirauá de Lima (1848-1913), já em Recife (PE) expande a performance para o impresso: a ele é atribuído o pioneirismo da sextilha como forma do verso de cordel, em substituição à tradicional quadra, de origem portuguesa.
Pela força e extensão da obra, o pioneiro do cordel é Leandro Gomes de Barros (1865-1918): tendo migrado de Pombal (PB) e de Teixeira (PB) para Recife (PE), naquela cidade desenvolve, desde 1880, produção como poeta e editor; 235 folhetos estão identificados como de sua autoria; mas estima-se que tenha escrito 500. Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista (1882-1930) são os responsáveis por dezenas de folhetos que sobreviveram ao relato circunstancial, em função de seu caráter épico, particularmente os que narram histórias de cangaceiros, Antônio Silvino e Lampião. Dessa firme base de Leandro Gomes de Barros e contemporâneos, o cordel se firmou com obras que recriam histórias clássicas, ora de mitos e heróis populares, a exemplo de Padre Cícero ou Lampião; ora com ferinas críticas a costumes morais e políticos.
O período de afirmação do cordel é a década de 1930, com a expansão de pequenos editores, a exemplo de João Martins de Athayde (1877-1959), que sucede Leandro Gomes de Barros, produzindo milhares de folhetos por semana; e distribuindo-os para outros estados do Nordeste e também para os do Norte. Essa produtividade continua em Juazeiro do Norte (CE), pelo editor José Bernardo da Silva (1901-1971). Outra cidade de destaque na edição de cordéis é Belém (PA), de 1914 a 1946, período em que a Editora Guajarina publica algumas centenas de títulos, distribuídos não só no Norte, mas também nos estados do Nordeste; ao menos 140 desses títulos constam do catálogo de Literatura Popular em Verso, Tomo I, da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Essa presença da literatura de cordel no Norte está diretamente vinculada à migração de nordestinos para lidarem com o extrativismo do látex. De maneira semelhante, com a forte migração de nordestinos para o Sudeste, ganha força, a partir de 1930, a Tipografia Souza, em São Paulo, editora que se fortalece na década de 1950, recriando o gênero em folhetos de capa colorida, assemelhados a gibis. A partir de 1973, sob a denominação de Luzeiro, a editora continua a imprimir cordéis, com ligeiras alterações na apresentação gráfica, tendo publicado mais de 500 títulos. Entretanto, no Nordeste, as edições continuam nos moldes tradicionais, com reprodução em papel jornal, capas em preto e branco, com xilogravura.
Mesmo com tanta presença no meio popular, o cordel não tem figurado em compêndios de história da literatura brasileira. E esse silêncio é atribuído, também, à condição periférica de produção, distribuição e consumo-fruição, isto é, uma arte que tem-se firmado a partir do Nordeste brasileiro e se expandido, para outras pelos nordestinos migrantes; a condição marginal decorre, também, da situação econômica e profissional dos poetas e leitores-consumidores, isto é, trabalhadores rurais, extrativistas e operários semiespecializados nas grandes cidades; ou seja, pessoas que, do ponto de vista da cultura acadêmica, são iletrados ou com poucos anos de escolaridade formal.
Não obstante tal silêncio por parte da academia, de grande relevância tem sido a influência do cordel para a música, o cinema e televisão, a exemplo das obras de Glauber Rocha, em especial Deus e o Diabo na Terra do Sol (1939-1981); e a atuação de Ariano Suassuna (1927-2014), cuja obra teatral homenageia e recria folhetos, versos e temas que se celebrizaram, a exemplo dos reunidos no filme O Auto da Compadecida, dirigido por Guel Arraes. As telenovelas Saramandaia, de Dias Gomes (1922-1999), exibida em 1976; e Cordel Encantado, de 2011, estiveram nessa mesma esteira. Mesmo com o relativo silêncio na chamada cultura erudita, da década de 1970 aos dias de hoje, universidades e centros de pesquisa têm se dedicado ao estudo do cordel, com pesquisas e publicações.
Nas duas décadas mais recentes, obras em cordel tem sido objeto de reedições; e novas obras têm sido criadas, incluindo aquelas destinadas ao público infantojuvenil. O ensino desse gênero passa a figurar nas recomendações do Ministério da Educação; e, em decorrência, tem-se ampliado o conhecimento dessa arte, por meio das escolas.
O cordel continua a se propagar, até com edição em novas mídias; e se faz presente, em versões estilizadas, em programas de televisão nacionais; e nas redes sociais. Não obstante a inclusão do cordel em distintas mídias, não se observa uma ruptura, ou seja, a tradição persiste, reinventada.
Temas
Temas Transversais
Referências
ABREU, Márcia. Histórias de cordéis e folhetos. Campinas: Mercado de Letras, 1999.
Literatura popular em verso: catálogo. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa,1961.
CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1978.
MAGALHÃES, Celso de. A poesia popular brasileira. Rio de Janeiro; Biblioteca Nacional, 1973.
TERRA, Ruth Brito Lemos. Memória de lutas: primórdios da literatura de folhetos no Nordeste (1893-1930). 1978.
Textos traduzidos
SLATER, Candance. Stories on a String: The Brazilian Literatura de Cordel, University of California Press, 1989.
DEBS, Sylvie. Cinema et litterature au bresil: Les mythes du Sertao, Harmattan Edition, 2003.
DEBS, Sylvie. Cinéma et cordel: Jeux de miroirs – Intertextualités, Harmattan Edition, 2003.
LAMAIRE, Ria; CLEMENT, Jean-Pierre. La littérature populaire brésilienne: Hommage à Raymond Cantel, Centro de Pesquisa da América Latina, 1993.
Autor/a do verbete
João Bosco Bezerra Bonfim. Ilustração: Rodrigo Rosa.