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Clarice Lispector
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Clarice Lispector (Chechelnyk, 1920 - Rio de Janeiro, 1977) é uma escritora nascida na Ucrânia e naturalizada no Brasil. Suas principais obras foram publicadas entre 1943 e 1977, compreendendo romances, crônicas, textos para o público feminino sobre moda, beleza e comportamento e livros infantis. De acordo com a pesquisadora Nadia Batella Gotlib, na biografia Clarice: uma vida que se conta, ao longo de sua carreira literária, que se estendeu entre os anos 1940 e 1970, a obra da autora teve uma receptividade variável. Durante o período da ditadura militar, pelo caráter intimista e pela ausência de crítica social, sua obra chegou a ser denominada como alienada, cerebral e tediosa. Na cena literária brasileira, o estilo da de Clarice destaca-se por seu caráter inquietante e inovador face às tendências da época, fato que se justifica, entre outros fatores, pelas similitudes de sua escrita com a dos autores ingleses James Joyce e Virginia Woolf, cujas influências foram negadas pela autora.
Em fuga ao antissemitismo provocado pela Guerra Civil Russa (1918-1920), em 1922, a menina Haia, nome de nascimento da autora, muda-se com a família de origem judia - seus pais Pinkouss e Mania Lispector e as irmãs mais velhas, Leia e Tânia - de Chechelnyk, na Ucrânia, para Maceió. Quando de sua chegada, recebe, assim como seus familiares, um novo nome, sendo, pois, chamada de Clarice. Em 1924, todos mudam-se para Recife, onde passa partes de sua infância e adolescência em um bairro judeu da capital pernambucana. Após a morte de sua mãe, em 1935, a família decide viver no Rio de Janeiro, cidade na qual Clarice se fixa por grande parte da vida, com intervalos de residência, após o seu casamento com o diplomata Maury Gurgel Valente, primeiramente, em Belém e, depois, no exterior, nos Estados Unidos e na Europa. Seu retorno ao Brasil é marcado pela insatisfação com a vida itinerante, em que viajar significava uma ausência de movimento espontâneo, já que a função do marido pressupunha um deslocamento involuntário da família em direção ao desconhecido. Clarice retorna, pois, após o seu divórcio, ao Rio de Janeiro com os dois filhos.
Clarice publicou o seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem (1943), aos vinte e três anos, quando vivia no Rio de Janeiro, no mesmo ano em que também se formou na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. A autora parte para fora do país pouco tempo depois da publicação dessa obra, retornando à capital carioca quase vinte anos depois. A narrativa é um retrato das circunstâncias familiares que atravessam não apenas a vida da protagonista do romance, Joana, mas que também afligiram a vida de Clarice, no que concerne à obstinação frente à família e às convenções sociais. Em artigo publicado em 15 de janeiro de 1944 no jornal O Estado de S. Paulo, o crítico Sérgio Millet, em apreciação positiva sobre o romance inaugural da autora, alude também à inseparabilidade da complexidade interior de Joana e Clarice. Essas temáticas relacionadas à vida íntima, levadas a cabo pela autora, tornaram-se recorrentes em sua obra, marcando grandemente a sua identidade literária.
Perez (1971) afirma ter sido durante o processo de escrita de seu primeiro romance que Clarice descobrira e teria passado a adotar o método da anotação imediata, a partir do qual o texto se compunha de notas soltas, num longo processo de reescrita, até que se alcançasse o resultado desejado mediante a ordenação das partes já (re)escritas. Essa relação íntima com o próprio texto “denota uma profunda reflexão sobre a linguagem que, percorrendo toda sua obra, vai aprofundando-se e determinando com isto o desenrolar mesmo desta escritura” (Lisbôa, 2008). A construção de sentidos pela autora, no processo de criação literária, reflete, por essa razão, o caráter intimista de sua obra, na qual personagens têm o seu íntimo exposto, invadido indiscriminadamente pelo leitor.
Entre as principais iniciativas de divulgação de textos de Clarice Lispector no exterior destaca-se, por exemplo, a publicação da antologia de contos para o Inglês The Complete Stories (2015), por Benjamin Moser, também autor da biografia Why This World: A Biography of Clarice Lispector, e a coleção de obras da autora em espanhol, organizada pela Ediciones Siruela, da Espanha, intitulada Biblioteca Clarice Lispector. O nome da autora figura entre os autores brasileiros que já tiveram destaque no renomado jornal norteamericano New York Times, em seções dedicadas, como apontam Hanes e Guerini (2016), não apenas à literatura, mas também ao cinema, à música, à dança e à pintura. No Brasil, Clarice teve grande apelo também na internet, a partir do compartilhamento de trechos de suas obras - e também de textos cuja autoria é erroneamente atribuída a ela - por usuários de diferentes redes sociais, o que contribuiu de forma substancial à popularização de seu nome e de sua obra.
Clarice Lispector teve publicados os romances O Lustre (1946), A Cidade Sitiada (1948), A Maçã no Escuro (1961), A Paixão Segundo G.H. (1964), Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969), Água Viva (1973), A Hora da Estrela (1977) e a obra póstuma Um Sopro de Vida (1978). Entre a produção de contos, destacam-se os títulos Laços de Família (1960), A Legião Estrangeira (1964), Felicidade Clandestina (1971), A Via Crucis do Corpo (1974), Onde Estiveste de Noite (1974) e A Bela e a Fera (1979). A autora publicou, igualmente, crônicas, sob os títulos Para não Esquecer (1978) e A Descoberta do Mundo (1984), e os livros infantis O Mistério do Coelho Pensante (1967), A Mulher que Matou os Peixes (1968), A Vida Íntima de Laura (1974) e Quase de Verdade (1978).
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Referências
HANES, Vanessa Lopes Lourenço; GUERINI, Andréia. Clarice Lispector sob a ótica da imprensa norte-americana: o caso do The New York Times. In: O eixo e a roda, Belo Horizonte, v.25, n.1, p. 37-60, 2016
GOTLIB, Nadia Batella. Clarice: uma vida que se conta. 6ª ed. São Paulo: EDUSP, 2009.
LISBÔA, Noeli Tejera. A pontuação do silêncio: uma análise discursiva da escritura de Clarice Lispector. Dissertação de Mestrado em Letras. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
PEREZ, Renard. Clarice Lispector, Escritores brasileiros contemporâneos. In: Revista e Ampliada, Vol. II, Brasil: Civilização Brasileira, 1971.
Textos traduzidos
LISPECTOR, Clarice. The Appel in the Dark. Tradução de Gregory Rabassa. London: Virago, 1985.
LISPECTOR, Clarice. The Complete Stories. Tradução de Katrina Dodson e edição de Benjamin Moser. New York, NY: New Directions, 2015.
LISPECTOR, Clarice. A Breath of Life. Tradução de Idra Novey. Nova York: Penguin Books, 2014.
MOSER, Benjamin. Why this world: a biography of Clarice Lispector. New York: Oxford University Press, 2021.
LISPECTOR. Clarice. Der Apfel im Dunkeln. Tradução de Curt Meyer-Clason. Hamburg: Claassen, 1964.
LISPECTOR. Clarice. Un soplo de vida. Buenos Aires, Corregidor, 2011.
LISPECTOR. Clarice. La legión extranjera. Tradução de Paloma Vidal. Buenos Aires: Corregidor. Colección Vereda Brasil, 2011.
LISPECTOR. Clarice. La ville assiégée. Tradução de Jacques Thiériot e Teresa Thiériot. Paris: Des Femmes, 1991.
QUENGUAN, Myriam Jiménez. Clarice Lispector y María Zambrano: Signos de Amor, Germinación y Redención. In Clarice Lispector, Universidade Complutense de Madrid, nº 51, jul-dez, 2013.
Autor/a do verbete
Alexandre Ferreira Martins. Ilustração: Rodrigo Rosa.