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Carolina Maria de Jesus
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Carolina Maria de Jesus (1914-1977) é uma autora brasileira que publicou poemas, contos, romances e diários. Sua obra mais famosa é o livro Quarto de despejo: diários de uma favelada (1960), em que retrata o seu cotidiano na favela do Canindé, em São Paulo, e denuncia as condições de vida subumana, incluindo a fome, a que são submetidos os habitantes deste território.
Nasceu em Sacramento, cidade do interior de Minas Gerais, no ano de 1914, em uma família de afrodescendentes. Sua mãe trabalhava como lavadeira e uma de suas freguesas, Maria de Leite Monteiro de Barros, financiou os estudos de Carolina. Aos 7 anos de idade, Carolina ingressou no colégio Allan Kardec onde estudou até o segundo ano do ensino primário. Apesar do curto período de acesso ao ensino formal, aprendeu a ler e tomou gosto pela leitura e pela escrita.
Carolina migrou com sua família para outras cidades em busca de melhores condições de vida. Em 1930, por exemplo, mudou-se para a cidade de Franca, no interior de São Paulo onde, inicialmente, trabalhou como lavradora e depois como empregada doméstica. Em 1948, passou a viver na favela do Canindé, uma das primeiras da cidade de São Paulo, localizada na Zona Norte, e hoje já extinta. Nos anos subsequentes, Carolina tornou-se mãe de três filhos: João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima. Nunca se casou. Começou a trabalhar como catadora de papel e de ferro velho. É neste lugar que ela encontra cadernos usados que servirão para registrar seu cotidiano na favela.
Carolina dá início a sua produção literária em 1940, com a publicação de um poema no jornal Folha da Manhã, altura em que ganha a alcunha de “poetisa negra”. No entanto, foi em 1958 que Audálio Dantas, repórter e fotógrafo do jornal Folha da noite, conhece Carolina e descobre que ela escreve poesia e diários. O jornalista se interessa por seus escritos e inicia um trabalho de editoração dos diários de Carolina. Em agosto de 1960, é lançado o livro Quarto de despejo: diários de uma favelada.
A narrativa do diário é feita em primeira pessoa, com o fluxo do discurso oral e o texto é marcado pela repetição, uma vez que Carolina registra a sua rotina diária, anotando, por exemplo, o dia e o horário em que acorda, sai para trabalhar e volta para casa. Ao longo de toda a narrativa, Carolina também escreve sobre suas angústias, seus anseios e faz críticas à sociedade. Além disso, expõe de forma direta toda a precariedade das condições de vida dentro da favela: a falta de acesso à água, os conflitos entre os moradores e, sobretudo, a fome que faz parte do cotidiano de sua família e que é tida pela autora como “a escravidão moderna”.
O livro é um marco na literatura brasileira, apesar de se afastar da norma-padrão escrita presente nas produções do cânone literário. Este livro surgiu num contexto histórico em que reverberavam os clamores de diversos movimentos sociais, trazendo a voz de uma mulher negra, favelada, com pouca escolaridade, mãe solteira de três filhos que vive à margem da sociedade, ou seja, uma voz que representa minorias historicamente marginalizadas no Brasil.
Sucesso no mercado editorial brasileiro, Quarto de despejo tornou-se um best-seller instantâneo. Foram mais de 10 mil cópias vendidas em uma semana e 70 mil exemplares vendidos em menos de doze meses. A obra de Carolina também fez sucesso no exterior. Seu livro foi traduzido para mais de 14 idiomas, dentre eles o inglês, o espanhol, o francês, o alemão, o húngaro e o japonês. Carolina pôde sair da favela graças à publicação de seu primeiro livro.
Após o fenômeno da publicação de Quarto de despejo, a autora lançou mais três livros, embora já estivesse praticamente esquecida pelo público e pela mídia. Publicou Casa de Alvenaria: diário de uma ex-favelada (1961), quando já morava em um bairro de classe média de São Paulo. Mais tarde, publicou o romance Pedaços de Fome (1963) e o livro Provérbios (1963) com financiamento próprio. O livro Diário de Bitita (1982), que conta as memórias de infância de Carolina, foi publicado postumamente na França e, mais tarde, no Brasil. Outras duas publicações póstumas foram feitas pelos pesquisadores Robert Levine e José Carlos Bom Meihy: Meu estranho diário (1996) e Antologia pessoal (1996), que reúne a poesia de Carolina. Convém destacar que, além de sua produção literária, Carolina também tinha o sonho de ser cantora. Compôs doze canções que, em 1961, foram gravadas no disco Quarto de Despejo: Carolina Maria de Jesus cantando suas composições.
Carolina faleceu em 13 de fevereiro de 1977, em um sítio na periferia de São Paulo. Desde a década de 1990, a obra da autora tem despertado grande interesse no meio acadêmico brasileiro.
Em 2021, Carolina Maria de Jesus recebeu o título de “Doutor Honoris Causa” pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como reconhecimento do fato de que esta é uma das autoras negras mais importantes do Brasil e uma voz fundamental na luta antirracista.
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Referências
JESUS, Maria Carolina de. Quarto de despejo: Diário de uma favelada.10ed. São Paulo: Ática, 2014.
MACHADO, Marília Novaes da Mata. “Os escritos de Carolina Maria de Jesus: determinações e imaginário”. In: Revista Psicologia Social, Vol. 18, n. 2, Porto Alegre, mai-ago/2006.
MARTINS, Leticia Guimarães. A gênese do caderno 11 de Carolina Maria de Jesus. Dissertação (Mestrado em Crítica Textual). Universidade de Lisboa, 2017. Disponível em: https://repositorio.ul.pt › bitstream › ulfl242147_tm. Acesso em 05 abr 2021.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. “Os Fios dos Desafios: O Retrato de Carolina Maria de Jesus no tempo presente”. In: SILVIA, Vagner Gonçalves da (Org.). Artes do corpo - Memória afro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2004.
PERPÉTUA, Elzira Divina. Traços de Carolina de Jesus: gênese, tradução e recepção de Quarto de despejo. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2000. (Tese, Doutorado em Literatura Comparada).
Textos traduzidos
Aki átment a szivárvány alatt: Egy barakklakó naplója. Trad. Hargitai György. Budapest: Kossuth Könyvkiadó, 1964.
Child of the dark: the diary of Carolina Maria de Jesus. Tradução de David St. Clair. New York: E. P. Dutton, 1962.
Casa de ladrillos. Buenos Aires: Editorial Abraxas, 1963.
Journal de Bitita. Tradução de Régine Valbert. Paris: A. M. Métailié, 1982.
Karonina nikki. Trad. Nabuo Hamaguchi. Tokio: [s.n.], 1962. (“Japonese translation rights arranged through Charles E. Tutlle Co., Tokyo”)
La favela: casa de desahogo. Havana: Casa de las Américas, 1965. (reimpresso em 1969)
Lossepladsen. Trad. Borge Hansen. [s.l.]: Fremad, 1961. Barak nr. 9: Dagboek van een Brazilianse negerin. Trad. J.Van Den Besselaar e Van Der Kallen. Arnhem: Van Loghum Slaterus, 1961.
Quarto. Milano: Valentino Bompiani, 1962.
Skräpkammaren: Dagboksanteckningar av Carolina Maria de Jesus.Trad.Bengt Kyhle. Stockholm: Tidens, 1962.
Smetiste: Deník zeny z favely. Trad. Vlasta Havlínová. Praha: Nakladatelství Politické Literatury, 1962.
São Paulo, Strada A, nr.9. Trad. Romulus Vulpescu. Bucaresti: Editura Pentru Literatura Universala, 1962.
Tagebuch der Armut: Aufzeichnungen einTagebuch der Armut: Das Lieben in einer brasilianischen Favela. 7. ed. Trad. Johannes Gerold. Göttingen: Lamuv, 1993. (1ª ed. 1983, Copyright Christian Wegner Verlag, com a permissão de Nymphenburger Verlagsbuchhandlung, de Munique)
The unedited diaries of Carolina Maria de Jesus. Edição de José Carlos Sebe Bom Meihy; tradução de Nancy P. Naro; Cristine Mehrtens. New York: Barnes & Noble, 1999.
Zycie na Smietniku. Trad. Helena Czajka. Warsawa: Czytelnik, 1963.
Autor/a do verbete
Luma da Silva Miranda. Ilustração: Rodrigo Rosa.
Palavras-chave
Literatura brasileira > Literatura afro-brasileira | Literatura brasileira