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Mário de Andrade
Verbete
Mário Raul de Moraes Andrade nasceu na cidade de São Paulo em 1893, em uma família de classe média. Foi o mais influente escritor brasileiro entre os anos 1920 e 1945, quando morreu prematuramente, antes de completar 52 anos.
Participou, em fevereiro de 1922, da Semana de Arte Moderna, ao lado de outros artistas como Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Heitor-Villa Lobos, Menotti Del Picchia, Sérgio Milliet e Victor Brecheret.
Os poemas de Pauliceia desvairada (1922) são, em certa medida, a primeira realização literária de algumas daquelas que se tornariam as principais conquistas realizadas pelos “modernistas” ao longo dos anos: “o direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência artística nacional; e a estabilização de uma consciência criadora nacional” (Andrade, 1978), como afirmaria o autor no balanço realizado em “O movimento modernista” (1942).
Mário de Andrade foi uma referência fundamental para escritores e artistas e o formulador de uma concepção de arte, cultura e nação que ainda reverbera fortemente no Brasil.
Entre as ações às quais Mário de Andrade se dedicou, destaca-se sua tentativa polêmica de estilização da “fala brasileira”. Tratava-se, para o escritor, de incorporar literária e linguisticamente as particularidades do modo como a língua portuguesa era falada no país, o que era visto por ele como parte do esforço de aproximar o país de si mesmo, de superar a herança colonial e a condição de “monstro mole e indeciso ainda que é o Brasil”, como afirma em sua primeira carta a Carlos Drummond de Andrade, datada de 10 de novembro de 1924 (Andrade, 1988).
Tratava-se, evidentemente, de um trabalho árduo e cheio de percalços, uma vez que a linguagem que caracteriza suas principais obras era, contraditoriamente, um feito cultural de alcance coletivo e uma estilização altamente pessoal e controversa que desagradou a muitos de seus contemporâneos e segue sendo polêmica. Ainda assim, ajudou a abrir campo para que não apenas a literatura, mas a linguagem formal mais habitual, como a da imprensa, abandonasse o apego excessivo à sintaxe lusitana e se aproximasse paulatinamente de uma versão mais espontânea do português brasileiro. Apesar disso e dos inegáveis avanços nessa direção, o fosso entre a linguagem escrita e a falada continua sendo imenso no Brasil, sobretudo devido ao imenso déficit educacional e a permanência da condição de um país apartado de si mesmo.
Para combater o “primitivismo”, entendido como falta de autonomia cultural e criativa, Mário de Andrade impôs a si mesmo a obrigação de “se meter num despropósito de assuntos” (Pinto, 1990). No prefácio à Gramatiquinha da fala brasileira (projeto que o autor fomentou por anos, mas que restou incompleto), Mário faz referência à imensa variedade de assuntos, projetos e linguagens a que se dedicou: foi poeta, romancista, contista, cronista, musicólogo, folclorista, crítico de arte, linguista, professor, jornalista, além de um prolífico epistológrafo. Destaque-se que a correspondência de Mário de Andrade é, em si mesma, além de documento, parte fundamental do sistema literário brasileiro, tendo sido fonte de difusão e debate de ideias com um número incrivelmente grande de autores(as), além de fonte de poemas que acabaram não sendo publicados pelo autor em vida e que foram recompilados após sua morte.
Era, como se observa, um polímata, menos por pretensão ou convicção do que pela precariedade do desenvolvimento científico e universitário brasileiro na primeira metade do século XX. Em circunstâncias menos adversas, os estudos realizados por diferentes pesquisadores poderiam não apenas ter permitido a Mário de Andrade valer-se de uma base mais sólida para a construção de suas obras e reflexões como teriam lhe poupado um esforço, a um só tempo, formidável e malogrado, que o obrigava a ficar, como ele reconhecia, apenas “na epiderme de todos [os assuntos]” (Pinto, 1990).
Em inúmeras ocasiões, o escritor ressentia-se do que considerava ser o “caráter sacrificial” de sua obra. Mário de Andrade considerava que o “jogo puramente estético”, necessário à produção de obras que poderiam se perenizar, só se justificaria quando o primitivismo fosse superado. Mas, antes disso, como afirmou na mesma carta a Drummond citada anteriormente, seria preciso “dar ao Brasil o que ele ainda não tem e que por isso até agora não viveu, nós temos que dar uma alma ao Brasil” (Andrade, 1988). A imprecisão dos termos do convite feito ao jovem poeta mineiro aliada à sua dimensão descomunal (o que seria “dar uma alma” a um país? como literatos poderiam fazer isso?) revelam uma falta que permanece inominada e que ainda fustiga a cultura brasileira, sendo um dos fundamentos sociais da resiliência do atraso no país.
Entre os livros de poesia que publicou, destacam-se, além de Pauliceia desvairada (1922), Remate de males (1930) e Lira paulistana (1945). Quanto às narrativas curtas, destacam-se Os contos de Belazarte (1934), que reúne sete narrativas escritas entre 1923 e 1926, e Contos novos, publicado postumamente em 1947 e reconhecido pela crítica como um dos grandes livros do gênero no Brasil.
No ensaio, destacam-se Aspectos da literatura brasileira (1943), Ensaio sobre a música brasileira (1928) e O baile das quatro artes (1943).
Sua obra-prima é Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (1928). O romance-rapsódia é o ponto culminante de uma série de estudos do autor sobre o Brasil realizados nos anos 1920 e é, sobretudo, uma grande, complexa e problemática obra literária. O “herói de nossa gente” é uma personagem cheia de potenciais que com seu mote – “Ai! que preguiça! ...” – não apenas nega a aceleração da cidade em crescimento e as exigências da mercantilização da vida, como carrega a convicção de que não há mal que não se resolva. Apesar do tom inicialmente afirmativo e festivo, o livro não possui, como se observa nos textos de Oswald de Andrade da mesma época, uma “feição otimista, até eufórica”, segundo a qual o Brasil pré-burguês prefiguraria a humanidade pós-burguesa (Schwarz, 1997). Ao contrário, o “herói de nossa gente” falha em quase tudo. Longe de prefigurar a vitória da solução brasileira, o livro encerra-se apontando para a dificuldade de superação, de amadurecimento, de acúmulo de experiências, que acaba resultando no destino melancólico do herói “capenga que de tanto penar na terra sem saúde e com muita saúva, se aborreceu de tudo, foi-se embora e banza solitário no campo vasto do céu” (Andrade, 1996) como a constelação da Ursa Maior.
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Referências
ANDRADE, C. D. de. A lição do amigo: cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1988.
ANDRADE, M. Aspectos da literatura brasileira. 6.ed. São Paulo: Martins, 1978. (262 p.)
ANDRADE, M. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. 2.ed. Madrid, Paris, México, Buenos Aires, São Paulo, Rio de Janeiro, Lima: ALLCA XX, 1996. (Edição crítica organizada por Telê P. A. Lopez). Volume traz estudos de Gilda de Mello e Souza, Darcy Ribeiro, Alfredo Bosi, Silviano Santiago, Ettore Finazzi-Agrò, Maria A. Fonseca, Pierre Rivas, Haroldo de Campos, Diléa Z. Manfio, Tatiana M. L. dos Santos, Telê P. A. Lopez, Eneida M. de Souza, Sárka Grauová, Raul Antelo e Hector Olea. (606 p.)
PINTO, E. P. A gramatiquinha de Mário de Andrade: texto e contexto. São Paulo: Duas Cidades, Secretaria de Estado da Cultura, 1990.
SCHWARZ, Roberto. “A Carroça, o Bonde e o Poeta Modernista”, In: Que horas são?. São Paulo, Companhia das Letras, 1997. (p. 11-28).
Textos traduzidos
ANDRADE, M. Macounaima ou le heros sans aucun caractere. Paris: Flammarion, 1992.
ANDRADE, M. Paulicea desvairada. Rosario: Beatriz Viterbo Editora, 2012.
ANDRADE, M. Macunaíma: Der Held ohne jeden Charakter. Frankfurt: Suhrkamp Verlag AG, 2013.
ANDRADE, M. Primero de mayo y otros cuentos. Trad. Jorge Uribe. Bogotá: Universidad de los Andes, 2014.
ANDRADE, M. To love, intransitive verb. Trad. Ana Lessa-Schmidt. London: New London Librarium, 2018.
CANDIDO, A. On literature and society. Princeton: Princeton University Press, 2014.
SCHWARZ, R. Two girls and other essays. New York: Verso Books, 2013.
SUAREZ, J. I.; TOMLINS, J. E. (orgs.). Mario de Andrade: the creative works. Lewisburg: Bucknell University Press, 2000.
Autor/a do verbete
Wilson José Flores Junior. Ilustração: Rodrigo Rosa.