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Carlos Drummond de Andrade – Poeta
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“E agora, José?”; “No meio do caminho tinha uma pedra”; “Itabira é apenas uma fotografia na parede mas como dói”. Os brasileiros reconhecem essas frases nas mais variadas situações e as utilizam como expressões do cotidiano, integradas quase organicamente ao repertório de ditos populares do país, mesmo sem necessariamente as relacionarem com o seu autor o poeta Carlos Drummond de Andrade. Nascido na cidade interiorana de Itabira, no estado de Minas Gerais, em 1902, Drummond é um dos escritores mais conhecidos do Brasil, responsável por uma obra poética vasta, considerada internacionalmente como uma das mais relevantes do século XX. Este reconhecimento, entretanto, não se restringe à crítica literária especializada, sendo comprovado também pela grande popularidade de suas obras, como atestam os versos citados no início deste texto. Como se costuma dizer informalmente, Drummond é um raro caso em que se combinam perfeitamente sucesso de público e de crítica, um escritor cujas facetas de poeta e de prosador são incontornáveis para aqueles que querem conhecer melhor a literatura brasileira.
Na trajetória literária de Drummond, é possível reconhecer o país, sua cultura e boa parte das questões mais importantes da nação. Filho de fazendeiro, a personalidade do autor nunca se adequou bem ao mundo rural do interior de Minas Gerais, graças ao interesse cultivado desde cedo pela leitura e pela escrita. Muito jovem, Drummond, ainda na cidade de Itabira, integrou grêmios literários e grupos de teatro que lhe deram a certeza da vocação para a literatura. Assim, como traço fundamental da formação do homem e do escritor, constata-se a substituição do mundo da fazenda pelo mundo das letras, o que irá marcar indelevelmente a sua poesia.
Fazendo-se adulto, o autor irá transferir-se para a capital do estado, Belo Horizonte, onde terá oportunidade de estabelecer contato com grupos de poetas que se vinculavam à primeira fase do Modernismo. Ali, durante os anos 1920, Drummond começa a participar ativamente da vida literária nacional e passa a ser, então, cada vez mais conhecido e admirado por autores de grande expressão no momento, como, por exemplo, Mário de Andrade, com quem manteve uma relação muito próxima de amizade e de colaboração literária.
Reunindo poemas que escreveu durante a segunda metade da década de 1920, o autor estreia em livro com a coletânea Alguma poesia (1930), que apresenta alguns de seus textos mais populares, como “Poema de sete faces” e “No meio do caminho”. O segundo livro de poemas, publicado em 1934, recebe o título irônico de Brejo das Almas e consolida Drummond como um dos autores mais importantes daquela que é conhecida como a segunda fase do Modernismo. Apesar de ter claramente bebido na fonte modernista, como bem atestam essas duas primeiras obras, o autor evidencia características muito peculiares, entre as quais se poderia destacar a personalidade lírica gauche (torta, oblíqua, incomodada) e representativa de inquietudes. Evidente já nos dois primeiros livros dos anos 1930, essa personalidade marcada por tensões será um esteio sobre o qual toda a obra poética de Drummond se constituirá, a despeito de suas fases subsequentes abrigarem tendências, tonalidades, dicções e formatos certamente bem diferentes daqueles matizes mais sutis, leves, irônicos e bem-humorados desta primeira época.
Atestando esse jogo entre permanências e modificações que será o emblema da poesia drummondiana, uma nova fase da carreira do autor combinará as inquietudes da personalidade lírica com a abordagem de questões sociais candentes para o seu tempo, tais como a II Guerra Mundial. Nesse momento de sua vida, o poeta se transfere para a então capital do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro, e trabalha como chefe de gabinete do ministro da educação. A mudança para a cidade, o trabalho burocrático e o clima da época deixarão marcas destacadas nos poemas escritos a partir do final dos anos 1930. Em geral a crítica especializada considera como integrantes desta segunda fase as obras Sentimento do mundo (1940), José (1942) e A rosa do povo (1945). A atenção aos problemas humanos do tempo presente, com forte recursividade social, será determinante nessas obras, nas quais o poeta coligiu poemas de relevância sem par na poesia brasileira como: “Elegia 1938”, “Sentimento do mundo”, Confidência do Itabirano”, “José”, “A flor e a náusea”, “Procura da poesia” e “O lutador”.
As obras imediatamente subsequentes, Novos poemas (1948) e Claro enigma (1951), atestarão uma nova guinada na obra drummondiana, desta vez em direção à recuperação de formas, procedimentos, imagens e temas clássicos que, no limite, levarão o poeta a uma dicção hermética, se comparada com a relativa abertura da poesia à comunicação dos problemas sociais verificada no período anterior. Deste período, são emblemáticos, por exemplo, os poemas “Canção amiga”, “Oficina irritada”, “Máquina do mundo” e “Os bens e o sangue”.
Quando da publicação desses livros, no início dos anos 1950, Drummond já é reconhecido como um dos maiores poetas nacionais, pela qualidade, relevância e alcance de sua obra. As coletâneas de versos que vêm na sequência de Claro Enigma são escritas, portanto, já sob esse auspício que atribui à figura do poeta uma aura de clássico contemporâneo. Entretanto, o autor não se acomoda aos louros do reconhecimento público e segue o seu percurso, por assim dizer, experimental, buscando novas maneiras de dar expressão às tensões entre eu e mundo e às inquietudes da personalidade lírica. A fase poética de recuperação de formas clássicas caracterizou fortemente a fronteira entre os anos 1940 e 1950, e, também, de algum modo, assinala os livros Viola de bolso (1952), Fazendeiro do ar (1954) e A vida passada a limpo (1959).
Após esse período, Drummond encaminhará sua poesia por uma via de experimentação com a palavra que remete ao concretismo, por exemplo, em Lição de coisas (1962). Progressivamente, após essa obra, haverá certa abertura da poesia à prosa que marcará os volumosos volumes de Boitempo (1968, 1973 e 1979), dedicados primordialmente ao memorialismo. Nesse momento o poeta já é conhecido nacionalmente também pela produção cronística, gênero que sem dúvida terá também influenciado a poesia escrita desde o fim dos anos 1960 e 1980. O exercício da escrita frequente de textos breves e curtos para jornal, ampliou ainda mais a repercussão de sua obra e de sua personalidade no Brasil, o que contribuiu também para torná-lo um escritor reiteradamente presente nos currículos escolares e materiais didáticos.
A década de 1980 se abre com o livro A paixão medida (1980) a que se seguem Corpo (1984) e Amar se aprende amando (1986). Nessas obras de maturidade, a dicção prosaica, combinada com ironia fina, muitas vezes dirigida a si mesmo, o poeta irá evidenciar a sua versatilidade e reafirmar a sua capacidade de desenvolvimento de uma linguagem poética eminentemente brasileira, sem exotismos, sem recalques pitorescos e à altura da complexidade das exigências do período democrático que se anunciava. Os versos eróticos de Amor natural (1992), que vêm a lume após a morte do autor em 1987, atestam a amplitude e a versatilidade da obra drummondiana e surpreendem pela riqueza e a delicadeza com que o tema do amor carnal fora trabalhado em segredo ao longo de muitos anos.
Trata-se, portanto de uma das obras poéticas mais longevas da literatura brasileira, que praticamente acompanha o breve século XX em sua totalidade. Observada no conjunto, essa obra confirma aos leitores de hoje a sua relevância, através do contato com o Modernismo, com a poesia participante, com as experimentações neoclassicizantes e concretistas, com o memorialismo, com outros gêneros da prosa como a crônica e com a poesia amorosa e erótica. Como disse o poeta e tradutor argentino Rodolfo Alonso, responsável por algumas das mais importantes traduções de Drummond na América do Sul, o brasileiro é dono de uma obra: “Popular sin demagogia, discreta sin pavoneos, distante pero cálida, precisa sin frialdad, incluso en sus comienzos abiertamente comprometida pero con tal intensidad de vida y de lenguaje que sus poemas de ese tipo continúan en vigencia y conmoviéndonos”.
Por tudo isso, a repercussão internacional de Drummond é extremamente significativa, apesar de o poeta não ter viajado pelo mundo. Sua obra está entre as mais estudadas e traduzidas em diversos idiomas. Basta lembrar a esse título, por exemplo, a atenção que lhe dá a poeta Elisabeth Bishop em suas traduções de poesia brasileira publicadas ainda nos anos 1970 e os relevantes estudos do crítico inglês John Gledson, ambos grandes responsáveis pela difusão da obra drummondiana em língua inglesa.
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Autores/as
Referências
CANDIDO, Antonio. “Inquietudes na poesia de Drummond”. In: Vários escritos. São Paulo: Duas cidades, 1995.
GLEDSON, John. Poesia e poética de Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: e-galáxia, 2018.
_______. “Drummond em inglês”. Revista Língua e Literatura, (16), 1987/1988, pp. 93-108
PILATI, Alexandre. A nação drummondiana – quatro estudos sobre a presença do Brasil na poesia de Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009.
Textos traduzidos
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesía escojida. Trad. Rodolfo Alonso. Córdoba: Alción Editora, 2012.
______. Sentimento del mondo. Trad. Antonio Tabucchi. Torino: Einaudi, 1987
______. 100 poemas - edição bilíngue português – espanhol. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
SANT’ANA, Afonso Romano de. Drummond, el poeta en el tempo. Ediciones Universidad de Salamanca, 2003.
BISHOP, Elizabeth; BRASIL, Emanuel. An Anthology of Twentieth-Century Brazilian Poetry. Middletown, Connecticult: Wesleyan University Press, 1972.
Autor/a do verbete
Alexandre Pilati. Ilustração: Rodrigo Rosa.