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Fabiano e Sinha Vitória, de Vidas Secas
Verbete
Fabiano e Sinha Vitória são protagonistas de Vidas Secas, do escritor alagoano Graciliano Ramos, escrita entre 1937 e 1938, publicada pela editora José Olympio em 1938. O autor já havia publicado outros três romances: o livro de estreia Caetés (1933), publicado originalmente pela Editora Schmidt, S. Bernardo (1934) e Angústia (1936). O escritor também produziu livros autobiográficos, Infância (1945) e Memórias do cárcere (1953), coletâneas de contos, Insônia (1947) e Histórias de Alexandre (1944), infanto-juvenis, A terra dos meninos pelados (1939), crônicas, Viagem (1954) e Viventes de Alagoas (1962).
Composto por treze capítulos, Vidas Secas narra a história de Fabiano, Sinhá Vitória, os dois meninos e a cachorra Baleia, cinco viventes caminhando pelo semiárido nordestino, região marcada pela seca, fome e miséria. O primeiro capítulo, por exemplo, intitulado "Mudança" aborda bem essa questão. Após uma longa jornada, chegam até uma planície avermelhada, tomada pela caatinga ressequida e pelas ossadas de animais, onde encontram uma fazenda abandonada. Ali se instalam e procuram sobreviver. Uma vez instalados, as condições geográficas melhoram com a chegada das chuvas, o que acaba por atenuar a seca. A vida deles melhora, estabiliza-se e adquire certa prosperidade. No entanto, essa situação não os deixa tranquilos, as lembranças da jornada, as dificuldades enfrentadas, a cena do papagaio comido no meio do caminho, a quase morte do menino mais novo, vem e vão nos fios de pensamento de Fabiano e Sinha Vitória.
A regularidade cíclica da seca entra como fator estruturante do destino e da conformação do enredo romanesco. O primeiro capítulo, por exemplo, já aqui mencionado, e o último são similares, compondo uma espécie de estrutura especular. Inclusive, os termos que servem respectivamente de títulos a eles, "Mudança" e "Fuga", pertencem ao mesmo campo semântico, principalmente se levarmos em consideração o contexto, seja de chegada ou de saída.
Esse aspecto do romance já levou a crítica a considerá-lo um romance desmontável, de difícil classificação, visto que cada um dos seus treze capítulos pode ser lido separadamente. Inclusive, os trechos foram publicados originalmente em jornal. Mas é aqui que reside a particularidade artística de Vidas Secas: a dialética. Ao mesmo tempo que se pode lê-los em separado, só fazem sentido quando vistos em sua totalidade. De igual modo, Fabiano, Sinhá Vitória, os meninos, o papagaio e a cachorra Baleia devem ser contemplados em conjunto. Nem sequer escapa desse processo o narrador, que vai gradualmente se juntando à família, deixando-se contaminar pela linguagem e pelos pensamentos de Fabiano. Eles se completam.
Diferentemente dos outros três romances compostos em primeira, Vidas Secas estrutura-se na terceira pessoa do discurso, no qual um narrador onisciente negocia com as personagens com intuito de lhes dar voz, mesmo estando ciente das limitações vocabulares deles. Só assim conhecemos, em sua integralidade, os pensamentos, os sentimentos e os desejos de todos. Fabiano desejava uma vida melhor e segura para sua família; Sinhá Vitória, possuir uma cama igual à do seu Tomás da Bolandeira; o menino mais novo, ser um vaqueiro igual a seu pai; o menino mais velho, conhecer e dominar as palavras; e a cachorra Baleia, com um mundo coberto por preás.
O discurso indireto-livre adotado por Graciliano Ramos na narrativa de Vidas Secas conforma artístico-literariamente um problema que se radicalizara na década de 1940, e que ele discutiu com muita frequência em seus artigos críticos sobre o Romance de 30: a representação artística e política do outro de classe. A solução encontrada por Graciliano Ramos e outros, como bem aponta Luís Bueno em seu livro Uma história do Romance de 30, foi a de assumir dialeticamente o impasse da representação do outro de classe na condição necessária do fazer artístico e literário.
As fraturas no projeto nacional-desenvolvimentista em curso naquele momento, que procurou modernizar as estruturas arcaicas brasileiras e inserir o país em um novo contexto capitalista por meio de estratégias políticas conservadoras, autoritárias e reacionárias, deixando de fora, ou mesmo ignorando, parcela significativa da população, em especial a dos retirantes, representada por Fabiano e sua família, conduziu os intelectuais de 30 a analisarem seriamente o problema da representação artística e política do outro de classe.
Nesse sentido, a técnica composicional empregada por Graciliano Ramos procura dar a ver um homem e uma mulher rústicos, de gestos e hábitos hereditários, fala pouca, numa "linguagem cantada, monossilábica e gutural", viventes presos à terra, procurando superar dificuldades e, mesmo em momentos de relativa estabilidade, pensar no futuro. Vidas Secas tem sido o enredo de muitos brasileiros e brasileiras por várias décadas e, infelizmente, até hoje.
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Personagens
Para saber mais
Referências
ABDALA JUNIOR, Benjamin (org.). Graciliano Ramos: muros sociais e aberturas artísticas. 1ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2017.
BASTOS, Hermenegildo José de M. Memórias do cárcere, literatura e testemunho. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.
BUENO, Luís. Uma história do Romance de 30. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Campinas: Editora da Unicamp, 2006.
CANDIDO, Antonio. Ficção e confissão – ensaios sobre Graciliano Ramos. 3. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2006.
MARQUES, Ivan. Para amar Graciliano: como descobrir e apreciar os aspectos mais inovadores de sua obra. Barueri, SP: Faro Editorial, 2017.
Textos traduzidos
RAMOS, Graciliano. Barren lives. 2. ed. Tradução de Ralph Edward Dimmick. Austin: University of Texas Press, 1969.
RAMOS, G. Vies arides. Traduction de Mathieu Dosse. Paris: Editions Chandeigne, 2014.
RAMOS, G. Vidas secas. Trad. Florencia Garramuño. Buenos Aires: Corregidor, 2001.
RAMOS, Graciliano. Karges Leben. Trad. Willy Keller. Berlin: Wagenbach, 201.
RAMOS, Gracilianos. Vite secche. Trad. Edoardo Bizzarri. Roma : Biblioteca del Vascello, 1993.
Autor/a do verbete
Fabiano Ferreira Costa Vale. Ilustração: Rodrigo Rosa.