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Machado de Assis - Poeta
Verbete
O Machado de Assis que deixou mais marcas da história literária brasileira é o de Bentinho, Capitu, Brás Cubas e Quincas Borba. E esse é, de fato, o Machado que realizou uma operação formal original em nossas letras até fins do século 19 e talvez até hoje. Escolado em narrativas como Helena ou A mão e a luva e em contos e crônicas, o Machado do chamado “romance da segunda fase” é um criador de enigmas, homem de seu tempo e brasileiríssimo, mestre de uma equação que era, num só movimento, a realização perfeita e o revés da arte universal. Entretanto, há tantos Machados e tantos enigmas por decifrar que leitor nenhum no mundo perde contemplando a sua obra em poesia.
A poesia de Machado de Assis se estende por mais de 50 anos de forma contínua e relevante. As duas pontas dessa monumental produção são sonetos. Em 1854, saía na imprensa o primeiro poema de Machado, “À Ilma Sra. D.P.J.A”, em que o frescor juvenil e romântico dá o tom, simbolizado nas inúmeras exclamações do texto. Em 1906, o autor escreve “A Carolina” o último soneto que também tematiza o amor, todavia carregado de dor e o luto e que, considerando-se a forma, expressa toda a maturidade de um autor experiente, sabedor dos limites e dos segredos da literatura mundial.
Entre essas duas pontas, vê-se um poeta que conheceu a fundo quase tudo o que se produziu de relevante na literatura ocidental, sem nada descartar. Vê-se isso claramente na sequência de suas coletâneas de poemas: Crisálidas (1864), Falenas (1870), Americanas (1875), Poesias completas, incluindo as Ocidentais (1901). Amadurecimento poético, no caso de Machado, quer dizer solidificação dos códigos consagrados pela literatura universal e esforço vigoroso para superá-las com uma visão autenticamente nacional. Nesse sentido, sua lírica guarda um movimento de busca, que faz o poeta caminhar no fio da navalha entre o lirismo e a narratividade, entre mundo interior e mundo objetivo, entre a tradição poética e uma mínima ruptura.
As Crisálidas são experimentações com a tradição romântica e uma espécie de surgimento de consciência metapoética, em que o lirismo é fruto de uma confiança firme na poesia como instrumento de sublimação de movimentos subjetivos da alma humana. Mas essa confiança vai sendo pouco a pouco fraturada por uma objetividade persistente na lírica machadiana, que acaba transformando-se em superação sui generis do Romantismo poético.
Falenas, por sua vez, mostra como se impôs ao poeta o patrimônio cultural ocidental. Aqui Machado revela leituras e influências bem distantes do modelo franco-português. Junto a isso, a decidida vocação narrativa da poética machadiana começa a se exibir como decisiva. Em Americanas, o estranho livro que reenvia o leitor de poesia ao indianismo, Machado explora sua veia narrativa, exercitando com a matéria local (algo que não se viu dessa maneira evidentemente decorativa em outros momentos de sua obra) meios de expressão poética que se mostrariam maduros no livro seguinte, Ocidentais. Nessa coletânea estão poemas de grande maestria técnica como “A mosca azul” e “O desfecho”, admirável soneto que retrabalha o mito de Prometeu numa concisão poucas vezes repetida em sua obra poética.
No ano de 2000 veio a lume uma excelente reunião da poesia completa de Machado de Assis, que apresentou pela primeira vez alguns curiosos inéditos em verso do “bruxo do Cosme Velho”. O livro apresenta verdadeiras raridades como os poemas que o próprio Machado expurgara de suas Poesias completas, volume organizado por ele mesmo em 1901. Lendo-os detidamente é impossível não deixar de perguntar sobre que razões teriam levado o poeta a excluir de sua antologia pessoal poemas como “No limiar” um texto de belos versos e tensão lírica nada exangue, em que se representa um diálogo entre a Esperança e o Desengano. Também são dignas de curiosidade as 48 crônicas em verso da “Gazeta de Holanda”, publicadas originalmente entre 1886 e 1888. Nelas está o que se poderia chamar (atendendo à moda do vocabulário científico) de “DNA da nossa crônica de corte lírico”, que estimulará depois a delicadeza de um Rubem Braga ou a doce obliqüidade de um Drummond.
Ler a poesia de Machado de Assis, assim, será tarefa para quem deseje encontrar o autor em suas maiores potencialidades e em suas maiores fraquezas. Sua lírica tem esse estranho condão de revelar-nos um Machado contraditoriamente mais e menos humano. Se nas narrativas da segunda fase uma operação formal pode dar ao Brasil seu maior romancista, na lírica estamos diante de um homem comum, ainda que poeta, residindo à periferia do capitalismo, tentando dar alguma ordem poética à barafunda de influências da tradição ocidental e ao profundo dilacerado sentimento de inadequação social a tais modelos. Aí está, talvez, a ponta do novelo da verdade brasileira que se esconde por trás de sua maiúscula poesia.
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Referências
ASSIS, Machado. Toda poesia de Machado de Assis. Org. Claudio Murilo Leal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
Textos traduzidos
GRAHAM, Richard (ed.). Machado de Assis: Reflections on a Brazilian Master Writer. Austin, TX: University of Texas Press, 1999.
ROCHA, João Cezar de Castro. "Introduction: Machado de Assis, the Location of an Author". In: The author as plagiarist : the case of Machado de Assis. ed. João Cezar de Castro Rocha. Dartmouth: Tagus Press, 2005.
MAIA NETO, José Raimundo (1984). Machado de Assis, the Brazilian Pyrrhonian. West Lafayette, Ind.: Purdue University Press.
CHENEY, et al. (editors) (2014) Ex Cathedra: Stories by Machado de Assis--Bilingual Edition. Hanover, CT:New London Librarium.
2018 – Good Days!: The Bons Dias! Chronicles of Machado de Assis (1888-1889) — Bilingual Edition. Hanover, Conn.: New London Librarium.
Autor/a do verbete
Alexandre Pilati. Ilustração: Rodrigo Rosa.