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Tropicalismo
Verbete
O Tropicalismo foi um encontro de diversas linguagens artísticas em diálogo que resultou em um dos momentos mais ímpares da cultura popular brasileira. Tendo Caetano Veloso como sua figura artística mais emblemática, o Tropicalismo pode ser considerado um movimento artístico de caráter coletivo que uniu a literatura, as artes plásticas, o cinema, o teatro, a música e, para desagrado de alguns, a cultura de massa da televisão. Aglutinando elementos da cultura pop internacional – como a estética da pop art de Andy Warhol e o rock and roll – a um projeto nacional revisionista que colocava em xeque a então representação da cultura brasileira, o movimento tropicalista emergiu como uma confluência de ideias frescas e pulsantes que, como bem representada nas icônicas palavras do apresentador de televisão Chacrinha, símbolo da cultura de massa dos anos 60, veio “para confundir, e não para explicar”. Seus principais representantes da época são: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Tom Zé, Gal Costa, Torquato Neto e Rogério Duprat (na música); Rogério Duarte e Carlos Capinam (na literatura); Glauber Rocha e Joaquim Pedro de Andrade (no cinema); Hélio Oiticica (nas artes plásticas) e José Celso Martinez Corrêa (no teatro).
O regime militar instaurado em abril de 1964 impôs, nos campos artístico e das liberdades de expressão, uma série de restrições e censuras que marcaram profundamente aquela fase política do país. Por outro lado, é nessa época que um certo sentimento revolucionário de inconformismo e transformação aflora de maneira urgente em todas as áreas do pensamento, provocando embates artísticos e intelectuais que se propagam cada vez mais na cena coletiva de manifestação cultural da época.
Segundo Caetano Veloso, o ano de 1967 assinala alguns momentos significativos que marcam o início do reconhecimento da necessidade de transformação formal nas artes, sendo eles: o lançamento do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, que unia o rock inglês a sons orquestrais inusitados, numa viagem musical psicodélica que mudaria os rumos da música no ocidente; a estreia nacional do filme Terra em Transe, de Glauber Rocha, que trouxe à tona a crise política e ideológica do país; a primeira encenação no teatro de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, pelo Teatro Oficina, obra revolucionária que alegoriza o subdesenvolvimento atrasado e o autoritarismo vividos à época no país. Também em 1967, na arte visual, Hélio Oiticica expõe a obra Tropicália, origem do nome do movimento, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Em concomitância ao movimento que Caetano Veloso e Gilberto Gil tentavam criar na música, Oiticica conseguiu alegorizar visualmente aquilo que os dois músicos buscavam, qual fosse uma chamada real à participação do espectador no processo de criação de arte. Assim, esse espectador deixa de ser mero receptor e passa a entrar em contato corpóreo com o objeto artístico, intervindo diretamente em sua construção. Ao se deparar com aquela instalação, Caetano decide levar a cabo, ainda mais fortemente, a ideia de concretização artística de um projeto de intervenção na arte brasileira que, de alguma forma, contemple os movimentos modernos internacionais e, ao mesmo tempo, recupere o significado profundo das manifestações interioranas do Brasil. Tentando recuperar a memória sentimental primitiva do passado nacional juntamente a um movimento de adesão à cultura de massa, o Tropicalismo teve claros laços de influência da antropofagia modernista, na medida em que se utilizava da ideia de apropriação cultural, ou “deglutição”, de Oswald de Andrade, e buscava superar falsas dicotomias excludentes tais como arcaico x moderno, nacional x estrangeiro, elite x massa.
Pode-se dizer que a apresentação de Caetano Veloso, interpretando a canção “Alegria, Alegria” ao lado do conjunto argentino de rock Beat Boys, e a de Gilberto Gil ao lado dos Mutantes, interpretando a canção “Domingo no Parque”, no 3º Festival de Música Popular Brasileira, em 1967, organizado pela TV Record, “oficializou” o surgimento do movimento tropicalista, que a partir desse evento ganhou considerável destaque na cena artística brasileira. Ganhando mais notoriedade, o movimento também passou a receber críticas de diversas frentes ideológicas, e causou estranheza ao evocar, de maneira carnavalizada, uma discussão político-social que, na maioria das vezes, estava restrita aos círculos das elites intelectuais da época. Nesse sentido, o Tropicalismo propositadamente desloca a discussão político-social do núcleo universitário da classe média, trazendo-a mais próxima da massa, seja no programa do Chacrinha ou em programas de rádio, mas o faz de forma metafórica e bem-humorada, cheia de excessos e escárnio, utilizando outra linguagem que não a acadêmica.
Em 1968, Caetano e Gil surgiram com a ideia de fazer um álbum coletivo, mais tarde batizado de Tropicália ou Panis Et Circencis. Com participações de vários artistas, como Os Mutantes e Nara Leão, e trazendo para a música a estética do exagero, ou estética kitsch, a coletânea reúne canções com influências que vão desde a tradição do bolero brasileiro à utilização de guitarras elétricas distorcidas do rock. A foto de capa do álbum faz uma clara referência a Sgt. Peppers Lonely Heart Club Band, dos Beatles.
Em dezembro de 1969, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos no Rio de Janeiro, acusados de ofensas à bandeira e ao hino nacional. Os dois foram soltos dois meses depois, mas tiveram que se exilar. Tal episódio é considerado o “fim” do Tropicalismo no Brasil. Hoje, artistas como Lenine, Chico César, Os Tribalistas e Carlinhos Brown são considerados herdeiros do movimento tropicalista, que segue influenciando pujantemente a música e a cultura brasileiras.
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Para saber mais
Referências
VELOSO, Caetano: depoimento [2012]. Entrevistador. Charles Gavin. Disponível em: Acesso em: 03 de abr. de 2021.
DINIZ, Júlio. Antropofagia e Tropicália: devoração/devoção. Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: Acesso em 25 de março de 2021.
Textos traduzidos
VELOSO, C. Tropical Truth: A Story Of Music And Revolution In Brazil. Boston: Da Capo Press, 2003.
WISNIK, Miguel. Música popular brasileña y literatura: la gaya ciencia. Buenos Aires: Corregidor, 2019.
AGUILAR, Gonzalo. “El estallido tropicalista”. In: Poesía concreta brasileña: las vanguardias en la encrucijada modernista. Rosario: Beatriz Viterbo, 2003.
DUNN, Christopher. Brutality garden: tropicália and the emergence of a Brazilian counterculture. Chapel Hill & London: The University of North Carolina Press, 2001.
Autor/a do verbete
Mariana do Nascimento Ramos. Ilustração: Rodrigo Rosa.
Palavras-chave
Caetano Veloso | Música Popular Brasileira (MPB) | Tropicália