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Semana de Arte Moderna
Verbete
Com a força de escândalo e surpresa própria das vanguardas é que o evento da Semana de Arte Moderna se anuncia nos começos na segunda década do século passado, tempos prenhes de manifestações e rupturas artísticas em todo o mundo. No contexto do Centenário da Independência, aconteceram as míticas e barulhentas noites do Teatro Municipal, a semana que seria um marco no tempo de um dos capítulos mais importantes de nossa história cultural. A Semana teria mesmo propósitos de choque, Oswald de Andrade afirmaria que os jovens modernistas eram “boxeurs na arena”, dispostos a atacar os academicismos vigentes em nossa linguagem artística e a reinventar com a força da alegria e da blague novas formas de fazer arte e pensar a identidade brasileira.
Nesse período, diversos artistas brasileiros acompanhavam de perto a efervescente cena cultural europeia, principalmente da França. A exposição de pintura de Anita Malfatti afinada com as novas tendências expressionistas, feita em 1917 após um período de estudos da pintora na Alemanha, será mesmo considerada o “estopim do modernismo” (Brito). Pouco habituados com as explorações vanguardistas, o público paulista logo reage à novidade. Dentre as recepções de sua obra, célebre é a do escritor Monteiro Lobato em “A propósito da exposição Malfatti” na edição da noite do O Estado de São Paulo. Com tom implacável, o escritor afirma que a artista “seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios dum impressionismo discutibilíssimo, e põe todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura.” Lobato ainda polariza os artistas entre os clássicos que fizeram “arte pura” e os que vêem anormalmente a natureza e a interpretam com teorias efêmeras.
Com duras palavras tecidas para a artista plástica, Monteiro Lobato não imaginava que estava a despertar uma revolução artístico-cultural que mudaria para sempre o panorama cultural brasileiro e serviria de motivação para a criação do evento da Semana de Arte Moderna. A reação ao artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo mobilizou aqueles que já estavam se sentindo incomodados com o cenário cultural do país. Desse modo, sob patrocínio de Paulo Prado, empresário e produtor de café, e da articulação e organização de Di Cavalcanti, artista plástico, iniciou-se a realização dos cinco dias de evento que o Theatro Municipal de São Paulo receberia. Com cerca de 100 obras abertas diariamente no saguão do teatro e três sessões lítero-musicais noturnas, o evento teve formato de festival inspirado na Semaine de Fêtes de Deauville, na Normandia (França).
O objetivo da Semana de 1922 era sacudir o ambiente artístico-cultural vigente e mostrar o que havia na escultura, música e literatura brasileira do momento, à luz do desejo de confirmar uma formação de arte moderna brasileira. Com um grupo exímio de artistas, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Victor Brecheret, Hildegardo Velloso, Graça Aranha, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos, a sociedade brasileira daquele tempo presenciou uma ruptura da tradição artístico-cultural.
Dentre os artistas que participaram do evento, destaca-se Anita Malfatti, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia e Tarsila do Amaral pela formação do chamado Grupo dos Cinco, um grupo de amigos que se reunia para debater sobre arte e cultura. Mário de Andrade, em fevereiro de 1922, durante o evento lê seus poemas no palco do Theatro Municipal e é vaiado. Entretanto, nesse mesmo ano, lançou seu segundo livro, Paulicéia Desvairada, dando início a um novo ciclo na lírica brasileira.
Junto a Mário de Andrade, Oswald de Andrade participou ativamente da Semana de Arte Moderna, formando com ele uma dupla representativa do movimento modernista. Mário dedicou-se ativamente à pesquisa de vários aspectos da cultura brasileira: os mitos, a música, o folclore e a língua. Oswald de Andrade após a Semana de 1922, pela criação dos manifestos da Poesia Pau-Brasil (1924/25) e o do Antropófago (1928), aponta a uma teoria da cultura que propõe superar as lógicas da dependência cultural e de um suposto “atraso” em relação às metrópoles europeias, assim como lança novas diretrizes para a literatura brasileira.
Menotti del Picchia, escritor reconhecido principalmente pelos seus poemas e crônicas, foi o responsável pela coordenação do segundo dia de evento. Menotti del Picchia simboliza um paradoxo no movimento, uma vez que sua obra ainda possuía fortes influências das correntes estéticas com as quais o Modernismo procurava romper. Tarsila do Amaral, considerada como uma das artistas plásticas mais importantes da primeira fase do Modernismo, não participou da Semana de Arte Moderna, mas integrou o Grupo dos Cinco e posteriormente participou do movimento "Antropofágico” junto a Oswald de Andrade e Raul Bopp.
Mesmo a Semana de Arte Moderna sendo um evento patrocinado pela elite brasileira e organizada por nomes reconhecidos na sociedade burguesa do período, o efeito que a Semana causou na sociedade brasileira foi de desconforto e incompreensão daquele novo tipo de arte, visto que a proposta colidia com as ideias conservadoras da época. Naquele período, o evento não foi reconhecido como um marco da cultura brasileira e os artistas que participaram foram considerados subversores da arte.
A ruptura que o modernismo realiza com um campo cultural existente passa centralmente pela linguagem, fazendo piada do “mal da eloquência balofa” que nos acometia, segundo Paulo Prado no prefácio do “Manifesto Pau Brasil”, e afirmando em seu lugar uma estética de pesquisa da linguagem, cujo material seria a língua falada no Brasil e tudo que ela tem de africanismos, heranças linguísticas indígenas e contribuições das mais diversas migrações.
Foi preciso que os anos se passassem para que o evento que marcou o ano de 1922 começasse a ser visto como o acontecimento que fora. Com o tempo, as ideias que foram difundidas na Semana de 22 repercutiram em outros movimentos, como o Tropicalismo e a Bossa Nova. A Semana de Arte Moderna contribuiu para o desenvolvimento de uma nova linguagem artística, de novas formas de revisitar criticamente nossas tradições culturais e pela celebração de um Brasil novo e moderno.
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Para saber mais
Referências
ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropófago e Outros Textos. São Paulo: Penguin, 2017.
BOAVENTURA, Maria Eugenia. 22 por 22 - A Semana de Arte Moderna Vista Pelos Seus Contemporâneos. São Paulo: Edusp, 2008.
BRITO, Mário da Silva. História do Modernismo Brasileiro: antecedentes da Semana de Arte Moderna. 2ª edição. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1964.
CAMARGOS, Marcia. Semana de 22: entre vaias e aplausos. São Paulo: Boitempo, 2002.
Autor/a do verbete
Thamis Larissa dos Santos Silveira. Ilustração: Rodrigo Rosa.