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Romantismo no Brasil
Verbete
O Romantismo é provavelmente o movimento literário mais presente no imaginário brasileiro contemporâneo. Atesta esse fato a maneira como ainda hoje se encontra com relativa facilidade quem saiba recitar de cor trechos de poemas de muita popularidade, como “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, e “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu. Não é por acaso, aliás, que são poemas evocados em canções de um dos maiores e mais célebres nomes da chamada Música Popular Brasileira (MPB), Chico Buarque: o primeiro poema parafraseado em “Sabiá”, de Chico em parceria com Tom Jobim, o segundo parodiado em “Doze anos”, gravado com o sambista Moreira da Silva para o musical Ópera do malandro, também de autoria de Chico. Pode-se citar ainda o caso de Caetano Veloso, outro dos maiores cancionistas brasileiros, que musicou o poema “Navio negreiro”, de Castro Alves.
Há duas características do Romantismo que dariam esteio a essa penetração e a essa permanência: em primeiro lugar, a intensa musicalidade da poesia romântica, com o emprego de metros melodiosos e a prática de musicalizar poemas eruditos, em voga no período romântico; em segundo, o pendor nacionalista romântico, a busca pela expressão tipicamente brasileira. Também não é à toa que o hino nacional cita quase textualmente dois versos da “Canção do exílio”: “Nossos bosques têm mais vida/ Nossa vida [no teu seio] mais amores”.
O surgimento do Romantismo no Brasil coincide com um período essencial da formação nacional brasileira. Foi com a transferência da família real para o Brasil, em 1808, no contexto das guerras napoleônicas, que se deu início à impressão de livros em território brasileiro. Surgem nesse período jornais e revistas locais, fundam-se escolas técnicas e superiores. Trata-se de um processo de transformação cultural e intelectual que vai culminar na independência em 1822. E é nesse processo de empenho de construção de uma nação que se consolida o ímpeto de criação de uma literatura tipicamente nacional, na esteira daquilo a que já dera início a geração precedente, do Arcadismo. É no Romantismo, no entanto, que ganha força a ideia de uma literatura independente como expressão de um país independente. Essa busca de autonomia e originalidade resulta, no plano estético, em uma valorização extremada da particularidade, em que se ressaltam o pitoresco e o subjetivismo sentimental. Apesar de reclamar para si a originalidade, porém, trata-se de uma espécie de substituição de influências: da Metrópole portuguesa para os modelos românticos franceses.
Surge, assim, na década de 1830, uma primeira geração romântica, muito mais programática que propriamente literária, fortemente inspirada em autores franceses. Tendo como principais nomes Gonçalves de Magalhães e Araujo Porto-Alegre, é uma geração empenhada em inventar uma literatura brasileira, elegendo seus predecessores e prescrevendo uma poética localista. Dessa geração, porém, pouco ficou de interesse literário para os nossos dias.
O primeiro nome de destaque na poesia romântica brasileira é Gonçalves Dias (1823-1864), principal representante do indianismo, na trilha dos predecessores arcádicos Basílio da Gama (O Uraguai, 1769) e Santa Rita Durão (Caramuru, 1781). Destacam-se entre suas obras Primeiros cantos (1846), livro em que aparece a já citada “Canção do exílio”, Segundos cantos (1848) e Últimos cantos (1851), com outro de seus poemas mais famosos, “I-Juca-Pirama”. Na parte mais importante da produção do poeta, o índio aparece como símbolo pátrio por excelência, símbolo aliás que já fora dignificado nas literaturas francesa (Montaigne, Rousseau, Chateaubriand) e estadunidense (Fenimore Cooper). Alguns críticos apontam, no entanto, que a dignificação mítica do índio pode ser vista, de certa maneira, como instrumento de apagamento da herança africana na história brasileira.
A crítica especializada convencionou denominar ultrarromântica a geração seguinte, em que predomina um lirismo subjetivo, melancólico, sentimental. O principal nome dessa tendência é Álvares de Azevedo (1831-1852), cuja obra foi toda publicada postumamente. Estão presentes nela duas das tendências majoritárias do ultrarromantismo: um veio sentimental e um veio sarcástico, irônico. Destacam-se entre suas obras Lira dos vinte anos (1853) e Noites na taverna (1855), narrativa em prosa. Dois outros nomes de destaque evidenciam essas duas tendências da geração ultrarromântica. Do lado sarcástico, a poesia cômica e obscena do também romancista Bernardo Guimarães (1827-1884): “A orgia dos duendes”, “O elixir do pajé”, paródia da poesia indianista, “A origem do mênstruo”, sátira da tradição mitológica do classicismo. Do lado sentimental, Casimiro de Abreu (1839-1860), de expressão terna, singela, um dos poetas que alcançou maior popularidade no país: destaca-se seu livro As primaveras (1859), em que está presente o já citado “Meus oito anos”.
Ainda ligado ao ultrarromantismo, mas prenunciando a poesia social de pendor abolicionista, que marcará a última fase do Romantismo, Fagundes Varela (1841-1875) é poeta de muita musicalidade, abusando de ritmos cantantes, quase hipnóticos, e rimas internas. Da tendência ultrarromântica, destaca-se o poema “Cântico do Calvário”, de Cantos e fantasias (1865); da tendência social, “Mauro, o escravo”, de Vozes da América (1864).
Castro Alves (1847-1871) é considerado por alguns críticos como o último grande nome do Romantismo brasileiro, representante maior da poesia social, a que se convencionou denominar condorerismo, poesia republicana e abolicionista, influenciada pelos movimentos sociais do período posterior à Guerra do Paraguai (1864-1870). Muito influenciada por Victor Hugo, sua poesia é oratória e eloquente, tendo se dedicado em grande parte à temática abolicionista, o que lhe rendeu a fama de poeta dos escravos. Espumas flutuantes (1867) é seu único livro publicado em vida.
Destaca-se ainda, como ponto um pouco fora da curva do período, a poesia de Sousândrade (1832-1902), que publicou, em uma série de edições progressivamente aumentadas, o longo poema narrativo O guesa (1867-1884), intitulado Guesa errante nas primeiras edições. Relativamente ignorada à época, a obra foi retomada criticamente pela geração concretista na década de 1960. A um reaproveitamento do indianismo da primeira geração romântica, alçada porém a uma espécie de pan-americanismo, Sousândrade acrescenta o veio satírico do ultrarromantismo, com ecos da “Noite de Valpúrgis”, do Fausto de Goethe, nos cantos em que se narram duas espécies de descida ao inferno (nos dois cantos que ficaram conhecidos como “Dança do Tatuturema” e “Inferno de Wall Street”).
Na prosa, o Romantismo é central na consolidação do romance no Brasil, a partir da tradução de narrativas folhetinescas nos anos 1830, a que se segue uma produção nacional consistente nas décadas de 1850 e 1860. Destaca-se nesse período um dos maiores sucessos de público da época, A moreninha (1844), de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), importante nome na consolidação do prestígio da forma romanesca no país.
A grande figura da prosa romântica, no entanto, é José de Alencar (1829-1877), em seu afã de figurar a totalidade brasileira, em termos históricos e geográficos. Destacam-se de sua produção romances indianistas (O guarani, 1857; Iracema, 1865), romances históricos (Minas de prata, 1862-1865), romances urbanos (Lucíola, 1862; Senhora, 1873) e romances regionais (O sertanejo, 1875).
Ainda nessa tendência do que o crítico Antonio Candido chamou de “uma ânsia topográfica de apalpar todo o país”, destacam-se, entre autores que se dedicaram ao chamado romance regionalista: Visconde de Taunay (Inocência, 1872), Bernardo Guimarães (O seminarista, 1872; A escrava Isaura, 1875), Franklin Távora (O cabeleira, 1876).
Temas
Movimentos e Tendências
Referências
BANDEIRA, Manuel. Apresentação da poesia brasileira. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2015.
CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasileira (resumo para principiantes). São Paulo: Humanitas, 1997.
______. O Romantismo no Brasil. São Paulo: Humanitas, 2002.
SECCHIN, Antonio Carlos (Org.). Roteiro da poesia brasileira: romantismo. São Paulo: Global, 2007.
Textos traduzidos
CANDIDO, Antonio. Literature and the Rise of Brazilian National Self-Identity. Luso-Brazilian Review, v. 5, n. 1, jun. 1968, p. 27-43.
______. Literatura de doble filo. In: BRINGEL, Breno; BRASIL JR, Antonio (Org.). Antología del pensamiento crítico brasileño contemporáneo. Buenos Aires: CLACSO, 2018. Disponível em:
CARNEIRO, Isabel Patriota P. (Org.). Anthologie de la poésie romantique brésilienne. Paris: Eulina Pacheco / Éditions UNESCO, 2002.
STEGAGNO-PICCHIO, Luciana. Storia della letteratura brasiliana. Turim: Einaudi, 1997.
Autor/a do verbete
Rafael Gazzola de Lima. Ilustração: Rodrigo Rosa.
Palavras-chave
Poesia brasileira | Literatura brasileira > Romance | Romantismo