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Poesia Marginal ou Geração Mimeógrafo
Verbete
Atualmente, a expressão literatura marginal se refere a um tipo de escrita produzida por autores da periferia, na qual as minorias marginalizadas vêm desenvolvendo um movimento literário, combativo, rebelde e criativo, que é chamado literatura marginal por alguns de seus membros. Embora seja um movimento que ganhou força na virada do século, ele já contava com autores precursores como Carolina de Jesus e Antônio Fraga nas décadas de 40 e 50 e, a partir da década de 90, com Paulo Lins, Ferréz entre outros. A literatura marginal de hoje é diferente da literatura marginal do início dos anos 70. Naquele momento, o Brasil atravessava o período da ditadura, o que implicou várias mudanças no cenário cultural.
A Poesia Marginal ou a Geração Mimeógrafo que surge nesta década, é um movimento sociocultural que atingiu literário, que atingiu também outras formas de artes e influenciou diretamente na produção cultural do país. Esse movimento surgiu como forma de inconformismo e subversão com os moldes literários impostos pela academia e que estariam, de alguma maneira, relacionados com o sistema político oficial e que era responsável por deixar à margem toda produção cultural que estava fora dos “padrões” vigentes. Esse processo alternativo de criação, produção e distribuição do poema substituía os meios tradicionais de circulação das obras, como editoras e livrarias.
Os escritores não pertenciam à periferia; eram jovens de classe média, em sua grande maioria, estudantes e professores universitários, principalmente do Rio de Janeiro, que buscavam produzir uma poesia irônica e anti canônica, cujas principais características eram a utilização da linguagem do cotidiano e a busca da aproximação entre vida e arte, e subvertendo a mesmice ao propor uma constante inovação poética. Desta forma, o termo ‘marginal’ não se relaciona ao lugar de origem dos escritores, mas a sua posição perante o cânone literário, o mercado editorial e a política do país. Numa situação em que todas as opções estão estreitamente ligadas às relações de produção definidas pelo sistema, as manifestações marginais aparecem como uma alternativa à cultura oficial. Com uma “poesia artesanal”, descompromissada com os padrões estéticos, de cunho informal e alternativo, que trazia novas formas de se produzir o material artístico.
Este novo fazer poético é fruto do choque entre a atmosfera repressiva no plano político e a mudança comportamental, que se verificava no Brasil, caracterizada como um surto poético e um novo movimento cultural, que tem o tropicalismo como precursor. Uma incorporação poética do coloquial como fator de inovação e ruptura com o discurso nobre acadêmico, uma espécie de contracultura.
A Poesia Marginal não foi considerada um movimento literário, e sim um movimento de poesia, e seu valor artístico foi fortemente contestado pelo cânone. Foi Heloísa Buarque de Hollanda quem modificou um pouco esse cenário ‘marginal’, com a publicação do livro 26 poetas hoje (1975), reunindo alguns escritores marginais da época em uma antologia que lhes deu visibilidade e provocou bastante polêmica, já que crítica não considerava os textos selecionados poesia. Em seu prefácio, a organizadora ressalta a negação e o distanciamento tanto da literatura classicizante quanto dos movimentos de vanguarda da época, como o concretismo, a poesia-práxis entre outras e afirma um recuo estratégico ao modernismo de 22. Hoje, Hollanda vê o movimento mais como um antecedente do pós-moderno, trazendo uma linguagem coloquial, o flash cotidiano e o corriqueiro à poesia.
A literatura da década de 70 busca uma originalidade temática em função das coerções e censura aplicadas pela ditadura aos artistas que abordavam assuntos de cunho político e buscaram formas alternativas de se manifestar, mas ao apenas querer existir, esta geração tinha também um compromisso contestatário e rebelde. Os filhos da ditadura, a geração AI5, foi uma geração com traços muito distintos em sua forma e estilo de poetar, mas com um traço distintivo comum que foi o de ser coibida e impossibilitada de narrar sua própria história. Hollanda descreve a poesia como aparentemente light e bem humorada, mas que transporta um tema principal comum grave: “o ethos de uma geração traumatizada pelos limites impostos a sua experiência social e pelo cerceamento de suas possibilidades de expressão e informação através da censura e do estado de exceção institucional no qual o país se encontrava” (Hollanda, 2007).
Apesar de toda a crítica negativa da época, o movimento deixou um legado de diversos poetas e escritores. A marginalia, foi representada por nomes como Ana Cristina Cesar, Cacaso, Chacal, Francisco Alvim, José Agripino de Paula, Paulo Leminski, Torquato Neto, Waly Salomão, entre outros. Foi também um movimento que influenciou outras artes, na música nomes importantes ganharam destaque neste período como Jards Macalé, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Sérgio Sampaio e Tom Zé, que foram rotulados pela imprensa como “compositores malditos” da MPB, pois tinham uma relação instável com o mercado, apesar de possuírem recepção positiva de um público específico. Tinham um comportamento transgressor e proximidade com a contracultura, com posturas muitas vezes anticomercial, como a utilização de recursos musicais incomuns, fusão de elementos estéticos e temáticos não usuais e letras de canções fortes, ácidas e sarcásticas.
Essa prática geracional artística surgida no início dos anos 70 carecia de um manifesto programático, mas conseguiu uma poesia capaz de se colocar ao nível da massa. A geração mimeógrafo acreditou na atuação da palavra com as suas propriedades transformativas e transgressoras. Segundo Cacaso, era como se estivessem escrevendo “um poemão”, o mesmo poema a 1000 mãos, ou seja, era uma sensibilidade conjunta que descrevia o momento em que viviam.
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Movimentos e Tendências
Referências
HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). 26 Poetas Hoje. Antologia. 6ª edição. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2007.
NASCIMENTO, Alexandre Vinícius Gonçalves. O Hino dos Libertinos: Poesia Marginal e Ditadura no Brasil por Meio da Antologia “26 Poetas Hoje”, de 1976. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós- Graduação em História, Cuiabá, 2016. Acesso em: 03 de abril de 2021. Link: https://ri.ufmt.br/bitstream/1/2123/1/DISS_2016_Alexandre%20Vin%C3%ADcius%20Gon%C3%A7alves%20Nascimento.pdf
Textos traduzidos
BONVICINO, R.; PALMER, M.; ASCHER, N. (org.). Nothing the sun could not explain: 20th century Brazilian poets. Los Angeles: Green Integer, 2003.
BUARQUE DE HOLLANDA, H. e MONTELONE, J. Puentes/Pontes - Antologia de Poesia Argentina e Brasileira Contemporânea. Buenos Aires/México: Fondo de Cultura Económica, 2003.
CABAÑAS, Teresa. Os Surpreendentes Caminhos da Estética: A Poesia Marginal dos Anos 70. Em: Revista Chilena de Literatura, núm. 88, diciembre, 2014, pp. 9-36, Universidad de Chile Santiago, Chile. Acesso em: 03 de abril de 2021. Link: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=360233440002
PERRONE, Charles A. Margins and Marginals: New Brazilian Poetry of the 1970s. Em: Luso-Brazilian Review. Vol. 31, No. 1. Wisconsin: University of Wisconsin Press
1994 pp. 17-37. Acesso em: 03 de abril de 2021. Link: https://www.jstor.org/stable/3513925
Autor/a do verbete
Priscilla Lopes d’ El Rei. Ilustração: Rodrigo Rosa.
Palavras-chave
Anos 70 | Contracultura | Poesia brasileira > Poesia marginal