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Literatura periférica
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A Literatura Periférica é aquela produzida por escritores que estão à margem do campo canônico literário brasileiro, no que se refere ao seu estilo literário, à circulação da sua obra e ao perfil sociológico do autor. Em relação a esse último aspecto, convém destacar que o discurso literário brasileiro é historicamente marcado por uma forte exclusão de autores que fazem parte de grupos marginalizados (pobres, negros e trabalhadores). A ausência de autores com este perfil implica uma falta de pluralidade de pontos de vista na literatura brasileira, o que pode levar não só a representações estereotipadas desses grupos nas narrativas ficcionais, mas também a representações em segundo plano.
Por vezes, o termo “Literatura Periférica” é usado como sinônimo de “Literatura Marginal” e esta última expressão pode apresentar mais de uma acepção. O movimento artístico da Literatura Brasileira contemporânea denominado pela primeira vez de Literatura Marginal foi iniciado na década de 70 por um grupo de autores que decidiram produzir suas obras fora dos padrões estéticos vigentes na época e publicá-las fora do circuito do grande mercado editorial. Este foi um movimento, sobretudo, de poesia e que surgiu no Rio de Janeiro. Os poetas mais famosos deste movimento foram Ana Cristina César, Paulo Leminski, Cacaso, Francisco Alvim e Chacal. A partir da década de 1990, o termo Literatura Marginal ganhou um novo significado, passando a representar um grupo de escritores que são oriundos das periferias de grandes centros urbanos, sobretudo das de São Paulo. Além disso, outros dois aspectos que diferenciam esses dois grupos têm relação com o uso do termo “marginal” e a publicação das obras. Enquanto no movimento da década de 70, o termo “marginal” foi dado pelos críticos, no movimento da década de 90, são os próprios autores que se autodenominam de “marginais”. A relação dos dois grupos com o mercado editorial também é diferente: na geração de 70, eles queriam um afastamento do circuito oficial de editoração; por outro lado, a geração de 90 quer que sua obra seja publicada em uma grande editora. Nessa última geração, que também pode ser chamada de Literatura Marginal dos escritores da periferia, o discurso literário passa a ser produzido sob o ponto de vista interno da periferia.
Os romances “Cidade de Deus” (1997) escrito por Paulo Lins e “Capão Pecado” (2005), por Ferréz, dois autores que são oriundos da periferia de grandes cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente, marcaram a literatura periférica. Ambos os romances apresentam no papel central de suas narrativas sujeitos socialmente oprimidos cuja fala se baseia em suas experiências cotidianas que estão fundamentalmente ligadas ao território da periferia, revelando as problemáticas sociais vividas pelos moradores nesse território e a formação desses sujeitos. Outros autores periféricos como Sérgio Vaz, que publicou o livro “Subindo a ladeira mora a noite” (1988), também retratam as experiências vividas na periferia no gênero poesia.
Os temas mais recorrentes na Literatura Periférica são o cotidiano dos membros das classes populares, problemas sociais recorrentes no território de periferias como a violência, a falta de acesso a bens culturais e a precariedade da infraestrutura urbana. Nota-se também o uso de uma linguagem coloquial que está repleta de gírias e expressões específicas que remetem ao território da periferia.
Atualmente, a chamada Literatura Periférica reúne tanto a produção literária de sujeitos marginais, isto é, sujeitos excluídos que estão à margem da dinâmica urbano-industrial da sociedade brasileira, quanto de autores de classe média que falam da realidade de espaços urbanos periféricos através da tematização da violência, da criminalidade e da marginalidade social. Na primeira acepção, estaria a produção literária de escritores como Carolina Maria de Jesus: “Quarto de despejo: diários de uma favelada” (1960), que é considerada pela crítica uma das inauguradoras da Literatura Periférica e, na segunda acepção, produções como “Subúrbio” (1994) de Fernando Bonassi, “O invasor” (2011) de Marçal Aquino e “Estação Carandiru” (1999) de Drauzio Varella. Há ainda nessa vertente da Literatura Periférica a produção literária de autores que raramente fazem parte do meio literário, como criminosos, meninos de rua, prostitutas, presos e ex-presos. Dentro desta categoria de obras, tem-se o livro “Sobrevivente André do Rap” (2002), que narra a história de um sobrevivente do massacre do Carandiru que ocorreu em 1992, numa penitenciária em São Paulo. Verifica-se nessas produções uma tendência de se criar uma narrativa de testemunho ou narrativas baseadas em novas formas de realismo. Há também produções coletivas de autoria dentro desta vertente como “Cabeça de Porco” (2005), livro escrito por três autores: Luis Eduardo Soares, MV Bill e Celso Athayde.
Em suma, a fala de sujeitos marginalizados (moradores de favelas, presidiários etc.) é colocada em foco na Literatura Periférica que se estabelece como uma nova tendência na Literatura Brasileira contemporânea, incluindo um estilo literário marcado, geralmente, por uma linguagem que se afasta da norma culta, bem como a tematização da violência, da experiência de sujeitos marginais e dos efeitos da exclusão social.
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Para saber mais
Referências
DALCASTAGNÈ, Regina. A auto-representação de grupos marginalizados: tensões e estratégias na narrativa contemporânea. Letras de Hoje. Porto Alegre, v. 42, n. 4, p. 18-31, dezembro 2007.
NASCIMENTO, Erica Peçanha. “Literatura marginal”: os escritores da periferia entram em cena. Dissertação (Mestrado em Antropologia social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
SCHøLLHAMMER, Karl Erik. Ficção brasileira contemporânea. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011.
Textos traduzidos
FERRÉZ. Manual práctico del odio, trad, Mario Merlino. Barcelona: El Aleph, 2006.
FERRÉZ. Manual práctico del odio, trad. Lucía Tennina. Buenos Aires: Corregidor, 2011.
FERRÉZ. Manuel Pratique de la Haine, trad. Paula Anacaona. Paris: Editions Anacaona, 2009.
LINS, Paulo. City of God, translated by Alison Entrekin. New York: Black Cat, 2006.
OLIVEIRA, Lucas Amaral. Speaking for themselves: observations on a marginal tradition in Brazilian Literature. Brasiliana- Journal for Brazilian Studies 5(1):441-471, Jan 2017. Availabe at: https://tidsskrift.dk/bras/article/view/23793.
VARELLA, Drauzio. Lockdown: Inside Brazil’s Most Dangerous Prison, translated by Alison Entrekin. Simon & Schuster, 2012.
Autor/a do verbete
Luma da Silva Miranda. Ilustração: Rodrigo Rosa.