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Literatura Infantojuvenil
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Até os últimos anos do século XIX, a literatura infantojuvenil existente no Brasil era importada, oriunda especialmente da França e de Portugal. A primeira publicação brasileira de um livro voltado a crianças e adolescentes, sem um viés primordialmente didático, é de 1882. Prefaciada por Machado de Assis (1839-1908), Contos seletos das mil e uma noites, de Carlos Jansen (1829-1889), é uma tradução adaptada à “mocidade”.
Já República, o Brasil começou a produzir uma literatura infantojuvenil mais autônoma. O livreiro Pedro da Silva Quaresma, ciente de uma desarmonia linguística entre as traduções e o repertório das crianças brasileiras, encomendou a Figueiredo Pimentel (1869-1914) a escrita em linguagem cotidiana de contos infantis estrangeiros e da tradição oral nacional. Histórias da Carochinha (1894), ilustrado pelo artista Julião Machado, atingiu com sucesso pequenos leitores.
No entanto, o verdadeiro marco para a literatura infantojuvenil brasileira — sem caráter moralizante e orientada ao encantamento do leitor — veio com as publicações de Monteiro Lobato (1882-1948). No início da década de 1920, o escritor publicou seu primeiro conto infantil, A História do Peixinho que Morreu Afogado, narrando a história de um peixinho que, após ter passado um tempo fora d'água, desaprendeu a nadar e acabou se afogando quando voltou para o rio. Em 1921, lançou o conto A Menina do Narizinho Arrebitado, convertido mais tarde no primeiro capítulo de Reinações de Narizinho, obra propulsora da série infantojuvenil de maior sucesso no país, o Sítio do Picapau Amarelo.
Adaptações audiovisuais, além de publicações em história em quadrinhos consolidaram a popularidade nacional do Sítio. Contudo, a obra-prima de Lobato foi além: transpôs fronteiras e marcou gerações estrangeiras. O grande sucesso de El Rancho del Pájaro Amarillo, publicado na Argentina, fez com que suas histórias chegassem a vários outros países hispanofalantes como o Peru e o México.
Além da produção como escritor, Lobato contribuiu com a popularização da literatura infantil também enquanto um editor que propunha mudanças e inovações dentro da esfera gráfica, com a implementação de capas coloridas e ilustrações feitas por artistas reconhecidos.
A fase lobatiana, embora com particularidades ao longo de suas décadas, pode ser estendida até 1970. Nesses 50 anos, a literatura infantojuvenil aproximou-se de ideias modernistas trazendo a valorização da cultura, da tradição popular e da língua nacional.
Contribuíram para a bibliografia da área autores como José Lins do Rego (1901-1957), apenas com Histórias da Velha Totônia (1936), e Érico Veríssimo (1905-1975), com As Aventuras do Avião Vermelho (1936) e As Aventuras de Tibicuera (1937), entre outros. Malba Tahan (Júlio César de Mello e Souza, 1895-1974) e Maria José Dupré (1898-1984) são nomes de destaque na tentativa de validar a importância da escrita para esse público-alvo em uma fase na qual a literatura infantojuvenil precisava romper barreiras para ser vista como uma produção artística de relevância.
Um dos grandes feitos de Malba Tahan foi ter aliado matemática e fantasia de forma lúdica. Assim, uma de suas principais obras, O Homem que Calculava (1946), traduzida para dezenas de línguas como o espanhol, o holandês, o chinês e o árabe, chegou aos mais diversos cantos do mundo, provando que as linguagens dos números e da imaginação independem de geografia.
Maria José Dupré, embora não tão traduzida quanto Malba Tahan, é a escritora de uma história que permanece na memória do brasileiro pois, de tempos em tempos, é (re)contada no país: Éramos Seis (1943), já adaptada para radionovela e várias telenovelas. A história tem também uma adaptação do cinema argentino, de 1945, dirigida pelo chileno Carlos Borcosque. Outros livros seus como A Ilha Perdida (1944), A Montanha Encantada (1945) e a Mina de Ouro (1946) se consolidaram como referências de obras infantojuvenis brasileiras ao integrarem o catálogo da Coleção Vagalume, da Editora Ática.
Com a consolidação da industrialização do país e com políticas públicas de expansão das escolas, a produção livresca foi especialmente fomentada entre as décadas de 1950 e 1970, mas, em termos qualitativos, isso trouxe uma lacuna à produção infantojuvenil, uma vez que as editoras voltaram a investir em traduções e adaptações, e na produção em série, sem espaço para renovação, no intuito de tornar o processo editorial mais prático. Além disso, com um êxodo rural acentuado e o medo da perda de mão-de-obra agrícola, muitas histórias infantis do período foram ambientadas no campo, caracterizando uma literatura com viés doutrinador e reprodutora dos anseios das elites.
Em um momento de renovação, a partir da década de 1970, o panorama desfavorável referente à literatura infantojuvenil é modificado. A relação entre ilustração e texto passa a ter um diálogo mais operativo e a conexão entre texto e projeto gráfico se salienta de forma que verbal e não verbal se complementam. Com a compreensão de que o processo de urbanização do Brasil era inevitável, as cidades se tornam os cenários predominantes das histórias. Elementos políticos e contestadores, considerando o contexto histórico do país, também se tornaram cada vez mais comuns dentro da literatura feita para crianças e adolescentes e os mais variados assuntos passaram a ser possíveis considerando as capacidades intelectuais e emocionais dos leitores. Nesse período, nomes como Ruth Rocha (1931), Marina Colasanti (1937) e Ana Maria Machado (1941) conquistam projeção nacional.
Considerando a importância do projeto gráfico, no âmbito dos quadrinhos, os cartunistas Ziraldo (1932) e Mauricio de Sousa (1935) se destacam com suas obras O Menino Maluquinho – inspirada em livro homônimo de grande sucesso – e Turma da Mônica, respectivamente. Mais recentemente, o artista Rafael Calça (1984) surge como uma promessa no gênero. Roteirista de Jeremias – Pele (2018), graphic novel sobre Jeremias, o primeiro personagem negro da Turma da Mônica, foi agraciado em 2019 com um Prêmio Jabuti de Melhor História em Quadrinho pela obra.
Da época, a obra-prima de José Mauro de Vasconcelos (1920-1984), O Meu Pé de Laranja Lima (1968) figura entre um dos maiores sucessos editoriais do Brasil. A narrativa de Zezé, o caçula de uma família pobre e numerosa, toca especialmente em dois pontos críticos de um Brasil profundo: a negligência infantil e a violência doméstica. A mistura de cômico e trágico conquistou muitas crianças, mas também grupos de outras faixas etárias que puderam assistir ao enredo televisionado em algumas adaptações para telenovelas e nos cinemas. Fora do Brasil, o livro teve traduções publicadas em dezenas de países, entre eles a Polônia, a Turquia e a Coreia. Neste último ganhou ainda uma versão em mangá já na década de 2010.
A visão da literatura como um objeto cultural e o compromisso com conteúdos mais modernos abre espaço para histórias policiais e de ficção científica. Com narrativas mais investigativas, João Carlos Marinho (1935-2019), com as Aventuras da Turma do Gordo — O Gênio do Crime (1969), Sangue Fresco (1982), Berenice Detetive (1987) —, Marcos Rey (1925-1999), com O Mistério do Cinco Estrelas (1981), O Rapto do Garoto de Ouro (1982) e Um Cadáver Ouve Rádio (1983) e Pedro Bandeira (1942), com a série Os Karas – A Droga da Obediência, Pântano de Sangue, Anjo da Morte, A Droga do Amor, Droga de Americana!, A Droga da Amizade, de 1984 a 2014, figuram entre autores que escreveram histórias de mistério inesquecíveis para muitos leitores. A verve indagativa e aventureira bastante coerente e viciante os fez serem bastante reconhecidos, atingindo vendas na casa dos milhões.
Nas décadas de 1980 e 1990, houve uma grande expansão da produção de literatura infantojuvenil e o século XXI deu continuidade a um crescimento significativo tanto na produção quanto no consumo dessas obras. A expansão do mercado jovem e as facilidades de trocas culturais oportunizadas pela internet permitiram que essa linguagem seguisse transmitindo valores ao processo de formação social, pessoal, intelectual, cultural e política de seus leitores.
Destacam-se ainda dentro da literatura infantojuvenil brasileira autores como Moacyr Scliar (1937-2011), Joel Rufino dos Santos (1941-2015), Yaguare Yama (1973), Thalita Rebouças (1974) e Paula Pimenta (1975). As duas últimas, com obras traduzidas para outras línguas como o espanhol e o inglês, são ainda representantes brasileiras da Literatura Young Adult (Ya-Lit) e possuem histórias adaptadas para a televisão, para o cinema e para catálogos de serviços de streaming como a Netflix.
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Movimentos e Tendências
Referências
COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil: das origens indo-europeias ao Brasil contemporâneo. 5ª. ed. revisada e atualizada. Barueri, SP: Manole, 2010.
CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura infantil: teoria e prática. São Paulo: Ática, 2003.
DUARTE, Cristina Rothier; SEGABINAZI, Daniela Maria. Figueiredo Pimentel: Contos da Carochinha e o nascimento da literatura infantil abrasileirada no final do século XIX. Em: SOLETRAS – Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística. Número 34, 2017, p. 312-328.
https://doi.org/10.12957/soletras.2017.30191
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: História e Histórias. 6 ed. São Paulo: Ática, 2007.
LEÃO, Andréa Borges. Publicar contos de fadas na Velha República: um compromisso com a nação. Comunicação & Educação, 12(3), 2007, p. 15-22.
https://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/37654/40368
Textos traduzidos
Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, em russo: Орден Жёлтого Дятла.
(Sobre a tradução russa:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502019000100404)
Turma da Mônica, de Mauricio de Sousa, em japonês:モニカ&フレンズ. https://mspjapan.co.jp/
O Homem que Calculava, de Malba Tahan, em chinês: 米爾的奇幻之旅. https://www.malbatahan.com.br/
O Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, em alemão: Mein kleiner Orangenbaum.
A Droga da Obediência, de Pedro Bandeira, em espanhol: La droga de la obediencia.
Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil: https://aeilij.org.br/
Canal Academia Brasileira de Letras – A literatura infantil e juvenil na atualidade: https://www.youtube.com/watch?v=TcAdOFZwx4g
Canal Fantasticursos – A Origem da Literatura Infantil Brasileira: https://www.youtube.com/watch?v=clasnkScOi8
Cátedra UNESCO PUC-Rio:
https://iiler.puc-rio.br/portal/index.php/iiler/
Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais – Entrevista com Marisa Lajolo, Regina Zilberman e Alice Áurea Martha Penteado:
http://www.ceale.fae.ufmg.br/historia-da-literatura-infantil-entrevistas
Autor/a do verbete
Camila Almeida. Ilustração: Rodrigo Rosa.