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João Cabral de Melo Neto
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João Cabral de Melo Neto nasceu em 9 de janeiro de 1920 em Recife, capital de Pernambuco, na região Nordeste do Brasil. É conhecido por sua poesia cerebral, minuciosamente planejada como uma construção arquitetônica. Não é por acaso que, dentre os princípios que declaradamente norteiam sua escrita, segundo ele mesmo, estão os de um famoso arquiteto, Le Corbusier, com sua obra limpa e sem ornamentações. A busca obsessiva de João Cabral sempre foi pela concretude das palavras e concisão do verso, quase sempre antimusical, de tal modo que o antilirismo passou a ser sua principal marca. O construtivismo de sua poesia foi detectado pelo crítico Antonio Candido já no livro de estreia do poeta, Pedra do sono (1942), embora esse estivesse curiosamente marcado por um caráter surrealista. O surrealismo francês, influenciado pelas recentes publicações de Freud no início do séc XX, explorava esteticamente imagens que pudessem vir livremente do inconsciente, contestando o dogmatismo e a lógica vigentes na arte da época.Essa era uma vertente estudada pelo grupo de intelectuais de que participou o poeta em sua juventude, a que ele se referia como o “grupo do café Lafayette”, em Recife. Ali, foi onde teve grande contato com as obras de Paul Valèry, e Mallarmé. De início, o surrealismo foi mais motivador de um estudo de elaboração de imagens e provocações metafóricas do que de uma escrita automática ou espontânea característica do gênero. Em obras seguintes, como O engenheiro (1945), Psicologia da composição (1947), em que se destaca sua “Antiode”, “surgem a exaltação da secura e do deserto, da pedra, a estética do avesso e do não”, segundo conta Marly de Oliveira (1994). Confirma-se, a partir daí, a afirmação visionária de Antonio Candido (1999) sobre o primeiro livro: “O Sr. Cabral de Melo, porém, há de aprender os caminhos da vida e perceber que lhe será preciso o trabalho de olhar um pouco à roda de si, para elevar a pureza da sua emoção a valor corrente entre os homens e, deste modo, justificar a sua qualidade de artista”. De fato, não tardou em agregar em sua estrutura poética o enfoque social, uma preocupação compartilhada por seus contemporâneos da 3ª fase do Modernismo no Brasil. Dentre os poetas de seu tempo, teve produtivas trocas com Manuel Bandeira e Murilo Mendes e Joaquim Cardozo, mas a poesia que influenciou sua obra de maneira mais marcante foi a de Carlos Drummond de Andrade.
O poeta afirma em entrevista (1996), que foi de Le Corbusier aos cubistas e, dos cubistas, chegou a Marx. Depois de alguns anos trabalhando como diplomata na Espanha, foi a partir do impacto da notícia de que a expectativa de vida em sua cidade natal era menor que na Índia, que compôs uma de suas obras-primas, “O cão sem plumas” (1950), conforme conta sua esposa, Marly de Oliveira (1994). As imagens e a sintaxe cortantes do poema metamorfoseiam homem e mangue, vegetação pantanosa formada do encontro entre o rio Capibaribe e o mar, onde a população mais pobre catava caranguejos para subsistência. A paisagem flui, pulsa e fervilha, enquanto o homem aparece plantado nela, estagnado e desidentificado nessa geografia. A obra foi adaptada em 2018 para um espetáculo de dança contemporânea pela Companhia Deborah Colker.
Em “O rio” (1953), é o próprio rio Capibaribe que fala, em primeira pessoa, e descreve os lugares por onde passa, desde a nascente até o deságue no mar. Nessa fase, Cabral procurou resgatar a memória viva de quando lia cordéis para os trabalhadores do engenho de seu pai em Pernambuco e passou a buscar com mais afinco a outra ponta da comunicação na poesia.
“Morte e vida severina” (1955) é o auge dessa poesia. Foi composto como um auto de Natal, sob a encomenda da dramaturga Maria Clara Machado para o grupo de teatro Tablado. Trata-se de um longo poema narrativo que nos faz testemunhar a trajetória de um homem chamado Severino que, como tantos outros, migra de uma região seca e árida, limítrofe entre a Paraíba e o norte de Pernambuco, fugindo da fome e da miséria para a zona litorânea. A narrativa culmina com o nascimento de uma criança, o que remete ao título original Auto de Natal Pernambucano. A trilha sonora da peça foi composta por Chico Buarque de Hollanda, que não negou as dificuldades em musicar uma poesia tão árida: “Sem o espetáculo, eu jamais musicaria João Cabral. Nunca faria aquelas músicas, porque seria uma coisa seca demais. Muitas ideias nasciam do grupo, à medida que o espetáculo ia saindo” . O filme homônimo, dirigido por Walter Avancini, foi produzido em 1981. Uma importante tradução dessa obra para o inglês foi feita por Elizabeth Bishop, em 1963. Alguns trechos estão disponíveis no site Poetry Foundation.
Alternando entre paisagens brasileiras e espanholas, sem perder de vista a metapoesia, destacam-se ainda Paisagens com figuras (1954), Quaderna (1955) e Educação pela pedra (1965). Neste segundo momento há uma assumida influência da poesia medieval ibérica, especialmente a de Gonzalo de Berceo, tanto em questões formais quanto conceituais, em que busca uma concretude pedagógica da palavra poética.
O próprio João Cabral faz uma divisão de sua obra até então em “duas águas” em 1956, em uma referência à arquitetura de um tipo tradicional de telhado de casas que escoa a água da chuva para lados opostos. Uma das águas faria jus à poesia autocentrada e silenciosa, a exemplo de sua obra até 1950 e a outra, à poesia participante, comunicativa, “em voz alta” presente em uma parte relevante de sua obra a partir de 1950. Muitos críticos ressaltam, entretanto, que se trata de uma divisão mais pendular do que periódica, capaz de reunir em sua complexidade a relação dialética entre o que havia de mais local nas paisagens de Pernambuco ou Sevilha ao universal das principais questões de seu tempo, recriando a própria tradição formal. Sua maneira peculiar de trabalhar a linguagem influenciou fortemente o Concretismo, movimento encabeçado pelo poeta Augusto de Campos. João Cabral de Melo Neto recebeu vários prêmios internacionais e sucedeu Assis Chateaubriand na Academia Brasileira de Letras a partir de 1969 até seu falecimento, em 9 de outubro de 1999.
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Referências
ABREU, Kaype. “Memória literária — Morte e vida Severina In: Candido — Jornal da Biblioteca Literária do Paraná. Disponível em: https://www.bpp.pr.gov.br/Candido/Pagina/Memoria-literaria-Morte-e-vida-severina Acesso em 5 de abril de 2021
CANDIDO, Antonio. “Poesia ao norte” In: Remate de Males. São Paulo: Unicamp, 1999. Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/remate/article/view/8635983 Acesso em 5 de abril de 2021
MELO NETO, João Cabral de. Obras completas. São Paulo: Nova Aguilar, 1996
INSTITUTO MOREIRA SALLES. João Cabral de Melo Neto. Cadernos de Literatura Brasileira, São Paulo: Instituto Moreira Salles, vol. 1, 1996
SILVA, Luciana Henrique Mariano da. A arquitetura da paisagem de João Cabral de Melo Neto. UnB: Brasília, 2012
Textos traduzidos
https://www.britannica.com/biography/Joao-Cabral-de-Melo-Neto
https://www.poetryfoundation.org/poetrymagazine/browse?volume=103&issue=1&page=36
https://iwp.uiowa.edu/91st/vol5-num2/joao-cabral-de-melo-neto
NETO, J. C. de M. Death and life of Severino. Tradução: John Milton. Paris: La Pléiade, 2003.
NETO, J. C. de M. Education by stone: selected poems. Tradução: Richard Zenith. Nova Iorque: Archipelago, 2005.
NETO, J. C. de M. João Cabral de Melo Neto: selected poetry, 1937-1990. Tradução e edição: KADIR, D. Middletown: Wesleyan University, 1994.
NETO, J. C. de M. Vivir en los andes (Poemas Ecuatorianos). Embajada del Brasil en Quito, 2020.
Autor/a do verbete
Luciana Henrique Mariano da Silva. Ilustração: Rodrigo Rosa.