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Ana Maria Machado
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Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 2003, Ana Maria Machado (24/12/1941, Rio de Janeiro/RJ) é uma escritora multifacetada. Embora seja imensamente mais conhecida por suas publicações voltadas para o público infantil, constam ainda, entre os mais de 100 livros de seu catálogo, obras voltadas para o público juvenil, poemas, romances e ensaios.
Assim como vários opositores ao regime militar ditatorial instaurado no país em 1964, Ana Maria Machado, à época professora de Literatura Brasileira e Teoria Literária na Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi presa. No início de 1970, pouco depois desse episódio e consciente de que estava sendo vigiada, optou pelo exílio primeiramente em Paris e depois em Londres, cidades onde exerceu as profissões ora de professora ora de jornalista.
Foi também em Paris, na Universidade de Sorbonne, que a escritora doutorou-se. Orientada pelo semiólogo Roland Barthes (1915-1980), pesquisou a obra de Guimarães Rosa (1908-1967) à luz dos nomes dos personagens que a compõe. Seu primeiro livro, Recado do Nome (1976), é, na verdade, produto da publicação de sua tese de doutorado.
No retorno ao país, exerceu majoritariamente o jornalismo. Colaborou com revistas como a Veja e semanários como O Pasquim e atuou, entre outros, no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil, ainda dentro da atmosfera de censura que havia sido imposta pelo governo do período. No entanto, apesar das várias atividades enquanto jornalista, a escritora não deixou de criar histórias para crianças.
Ainda que acumulasse há anos histórias infantis escritas para a revista Recreio, na qual outros autores importantes para a literatura infantil brasileira como Ruth Rocha (1931-) e Joel Rufino dos Santos (1941-2015) também foram estampados, seu primeiro livro infantil foi publicado apenas em 1977. Bento-que-Bento-é-o-Frade, livro que narra a história de uma menina avessa a ordens, foi lançado quase que simultaneamente a três volumes de Histórias de Recreio: Camilão, o Comilão, Severino Faz Chover e Currupaco Papaco.
Seu primeiro prêmio literário veio com o “João de Barro” de 1977 pelo livro História Meio ao Contrário. O mote da obra: “E então eles se casaram, tiveram uma filha linda como um raio de sol e viveram felizes para sempre.” é o que a torna instigante uma vez que ela “começa pelo fim”. Assim, dissolve-se um pouco da curiosidade que permeia a imaginação dos pequenos leitores que procuram saber o que acontece depois que as histórias terminam. História Meio ao Contrário foi agraciado também com outros dois prêmios: o “Jabuti” (1978) e o “Lista Melhores do Ano de Fundalectura de Bogotá” (1994).
Entre seus livros mais premiados estão ainda Bisa Bia, Bisa Bel (1982) e Menina Bonita do Laço de Fita (1986). Bisa Bia, Bisa Bel é narrado por Isabel, uma menina que encontra a foto de Beatriz, sua bisavó, e, a partir de então, passa a ouvi-la, estabelecendo uma amizade entre bisneta e bisavó que aborda o tema da feminilidade e sua intersecção com temporalidade. Já Menina Bonita do Laço de Fita narra a história de um coelho branco que admirava profundamente a beleza de uma menina negra. Ao abordar a superfície dos seres, a obra atinge um ponto profundo da sociedade brasileira, funcionando como um instrumento de provocação à quebra de padrões de beleza, e reforçando a autoestima e a representatividade da população negra. Além disso, a história permite que seus leitores compreendam a existência e a beleza da diversidade.
Entre as contribuições de Ana Maria Machado para a disseminação da literatura infantil, destaca-se o empreendedorismo na abertura da primeira livraria do país dedicada exclusivamente à área: a Malasartes, no Rio de Janeiro. A autora foi livreira de 1979 até 1996, quando acabou deixando a sociedade da livraria, até hoje em funcionamento em um shopping carioca.
Com relação à identificação com a profissão de livreira, a escritora afirma que “Adorava. (…) Gostava de selecionar o estoque. (...) Havia cuidado em não ter livro racista, com violência gratuita. Era sobretudo um lugar de encontro de pessoas e livros.” demonstrando ainda cuidado na formação de leitores empáticos e conscientes de seu papel social.
Enquanto Presidente da ABL, entre 2011 e 2013, a literata priorizou programas sociais de expansão do acesso ao livro e à leitura nas periferias e comunidades carentes, cuidado já verificado nas atividades exercidas dentro da Malasartes onde “Outra coisa que atraía muita gente inclusive a garotada da Rocinha era um caixote (...) escrito Sebinho. A criança podia comprar ou vender o livro usado. (…) Os meninos das escolas públicas ali perto iam direto.”
Entre os inúmeros prêmios que recebeu, destacam-se o Hans Christian Andersen, principal prêmio mundial na área da literatura infantojuvenil, em 2000, e o Machado de Assis da ABL pelo conjunto da obra, em 2001. O reconhecimento recebido reforça a importância de sua obra para o universo literário infantil e a coloca no distinto elenco de escritores que contribuíram na formação de incontáveis leitores das mais diversas nacionalidades.
Os livros de Ana Maria Machado já foram traduzidos para vários idiomas como espanhol, italiano, francês, inglês, alemão, dinamarquês, sueco, norueguês, árabe e japonês. Uma de suas obras mais recentemente traduzida é o livro Tropical Sol da Liberdade que, publicado pela Tagus Press, nos Estados Unidos, ficou Freedom Sun in the Tropics (2020). Baseado na sua história pessoal de exílio e retorno ao Brasil, o livro capta com energia um dos períodos mais sombrios da história recente do país.
Após tantas décadas, Ana Maria Machado segue em atividade e é nome constantemente presente e homenageado em eventos no Brasil e no exterior. Para a estreia do Clube de Leitura ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) em Língua Portuguesa da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas na Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha de 2021, teve sua obra Igualzinho a mim (2020), ilustrada por Maria José Arce, selecionada.
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Referências
GARCÍA, Laura Rafaela. Narrativas del pasado y literatura infantil: continuidades y rupturas en los planteos críticos de Graciela Montes y Ana Maria Machado. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea. Brasília: Universidade de Brasília, v. 46, p. 133-151, 2015. https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/10039
PEREIRA, Maria T. Gonçalves; ANTUNES, Benedito. (Org.). Trança de histórias: a criação literária de Ana Maria Machado. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
PATROCINIO, Gabriela Trevizo Gamboni. Ana Maria Machado: da criação ficcional à crítica: o valor da leitura literária. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2014. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/14741
SOUZA, Maria Celiane Pinto dos Passos; MÜLLER, Hofélia Madalena Pozzobon. Literatura Infantil: a construção da identidade da criança e o respeito à diversidade étnico cultural. Repositório Institucional da Universidade Estadual de Goiás (UEG) - Campus Posse, 2017. http://aprender.posse.ueg.br:8081/jspui/handle/123456789/136
ZILBERMAN, Regina. Ana Maria Machado: a audácia de uma escritora. Fragmentum. Santa Maria-RS, n. 49, p. 185-196, 2017.
http://hdl.handle.net/10183/179777
Textos traduzidos
https://www.literaturfestival.com/autoren/autoren-2002/ana-maria-machado (em alemão)
https://elpais.com/cultura/2013/11/18/actualidad/1384807313_308764.html (em espanhol)
https://www.humanite.fr/ana-maria-machado-au-bresil-nous-avons-aussi-un-cerveau-568993 (em francês)
International Board on Books for Young People: https://www.ibby.org/index.php?id=903 (em inglês)
Autor/a do verbete
Camila Almeida. Ilustração: Rodrigo Rosa.